terça-feira, 22 de novembro de 2011

Tom Jobim... vou te contar

Não sei porque isso sempre me acontece: acordar de manhã com uma música na cabeça e passar o dia todo cantarolando-a. Faço uma coisa ou outra e me pego cantando ou assoviando a mesma canção. Hoje aconteceu de eu ser cutucado com uma obra-prima do maestro predileto de Chico Buarque, o músico que compunha como grandes pintores criavam seus quadros, tornando-os únicos e admirados no mundo inteiro. Assim são as canções do brasileiríssimo Tom Jobim.
Tom morria de medo de andar de avião, sempre dizia nas rodas de prosa: “O defeito é lá em cima, mas a oficina é aqui embaixo, amigo”. Ele só voava por honra da firma e sua obra o obrigou a possuir um apartamento em Nova York, onde passava temporadas com os melhores músicos americanos, mostrando sua arte, representando nosso país e o melhor da MPB.
Mas, vejam só que ironia, uma de suas canções mais bonitas foi uma homenagem ao pássaro de aço que lhe causava tanto terror: “Samba do Avião”, que compôs chegando ao Rio de Janeiro, depois de seis meses na América. Na letra, o genial Tom descreve suas saudades, o encanto de ver lá do alto sua cidade querida, seu Cristo Redentor...
Falando assim me sinto vivendo aquele momento, olhando o rosto dele, deslumbrado com a visão. O poeta descreve com perfeição até o momento em que o avião toca na pista, olha que eu me sinto pousando junto, de verdade!
 A letra da música ainda diz: “Minha alma canta, vejo o Rio de Janeiro, estou morrendo de saudades, Rio seu mar praia sem fim, Rio você foi feito pra mim. Cristo redentor, braços abertos sobre a Guanabara, esse samba é só porque, Rio, eu gosto de você, a morena vai sambar, seu corpo todo balançar, Rio de sol, de céu de mar. Dentro de mais um minuto estaremos no Galeão, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Copacabana, este samba é só porque, Rio, eu gosto de você, a morena vai sambar, seu corpo todo balançar, aperte o cinto vamos chegar, água brilhando, olha a pista chegando e vamos nós... Aterrar”.
Escrevo agora a razão do titulo desse texto. Chico Buarque foi fazer uma visita a Tom Jobim e, ao se despedir, o maestro lhe perguntou se ele encarava colocar letra em uma melodia recém-composta, disse ter pressa, pois a música ia entrar em seu próximo disco que estava quase que finalizado.
Chico topou e Tom, ao piano, gravou uma fita para seu parceiro levar. Quando Tom tocou as primeiras notas, Chico escreveu na hora as três primeiras palavras de Wave: “Vou te contar...” Tom adorou, Chico se foi, mas quem conhece o poeta sabe que ele é um sossego só. Os dias foram passando, Tom impaciente com a demora de Chico, ligou dizendo mais uma vez o motivo da pressa, o letrista lhe pediu mais uns dias.
O maestro esperou e Chico não dava retorno, até que Tom tomou uma decisão drástica: passou a mão no telefone e disse: “Ô, Chico, não dá mais para esperar, você fica aí nesse: ‘vou te contar’... Olha, pode deixar que eu acabo a letra.” E deu sequência: “Os olhos já não podem ver, coisas que só o coração pode entender, fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho...” E assim, para nossa felicidade, amantes da boa música, nasceu mais essa joia da MPB e, embora Chico tenha escrito as três palavras, ele não consta como parceiro do maestro nessa canção.

* Cantor e compositor

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