sexta-feira, 25 de abril de 2014

No tempo da delicadeza


Bueno *

Meu filho Lucas Bueno faria neste sábado, 26 de abril de 2014, 35 anos e um filme passa pela minha cabeça. Faço uma retrospectiva de todo o tempo que com ele vivi aqui na terra, dos grandes shows que junto fizemos, ele tocando seu piano... Eu o via como um dos maiores do mundo, ele arrasava, fechava os olhos e viajava na melodia como se estivesse em outro mundo, suas mãos deslizavam por sobre o teclado e a música agradecia, pois quem a tocava o fazia com muito amor, colocava ali todo seu sentimento e aprendizado com grandes mestres.
Tive este privilégio de  cantar sob sua batuta. Às vezes, num show surgia um imprevisto, mas bastava um simples olhar e a coisa fluía, ninguém percebia, ele era minha segurança, meu rumo norte. Tenho saudades loucas de tudo, até de nossas brigas às vésperas de um shows, brigas também resolvidas rapidamente. E o show acontecia lindo, lindo, lindo...
Desde o primeiro show juntos passei-lhe a responsabilidade da produção e direção e ele ficava orgulhoso de tais funções, dava conta da parada. Era Lucas quem escolhia os músicos que estariam com a gente no palco. Meu amigo Fagner disse um dia, no apartamento do Sócrates: “Buenão, procure manter em seus shows e gravações sempre o mesmo baterista, o mesmo baixista e pianista, desta maneira você tem a liberdade de escolher grandes músicos para outras funções”.
Passei isso para meu filhão e nunca tivemos problemas no palco, pois nossos músicos sempre correspondiam, de acordo com nosso projeto. Em agosto fará nove anos que Lucas está morando em outro plano.
O titulo da minha crônica de hoje é parte da letra da música “Todo o sentimento”, do sensacional maestro Cristovão Bastos. Chico Buarque colocou a letra – e que letra este compositor e poeta brasileiro escreveu para tão bela melodia.
Dentro do meu projeto de cantar vários nomes da música popular brasileira está “Bueno canta Chico Buarque”, e sempre que faço este show as mesas se esgotam rapidamente, daí posso ver o quanto Chico é importante para a cultura do nosso país, ele é querido por várias gerações, vejo isto do palco.
De todas as músicas do Chico que já interpretei, a que mais gostava de cantar é “Todo o sentimento”, eu a cantava só com voz e piano, piano tocado por Lucas Bueno, ele arrasava nesta música... Nunca mais a cantei em meus shows depois que Lucas se foi, com ele era especial, com outro não conseguiria cantá-la, até pelo meu estado emocional.
Sobre esta composição, um músico carioca me contou que Chico, ao escrever a letra, inspirou-se num amigo do maestro e parceiro Cristovão Bastos, que estava perdendo a esposa doentia. Eu e minha esposa a adotamos, fazemos de conta que ela foi feita pra nós, analiso cada frase, cada palavra escrita por Chico, sinto como se meu coração tivesse sido invadido, meus sentimentos escancarados, e olha que ele escreveu esta beleza décadas atrás!
Mas é tão presente pra mim e minha esposa, a letra toda é genial, mas me derreto todo na parte em que diz “depois de te perder, te encontro com certeza, talvez no tempo da delicadeza, onde não diremos nada, nada aconteceu, apenas seguirei como encantado ao lado seu”.
Nesse 24 de abril de 2014, chorei muito escrevendo esta crônica, coloquei para ouvir umas dez vezes esta música com Lucas ao piano e eu cantando num de nossos últimos shows... Poxa!!! Que saudade meu filho.
Lucas, meu filho, eu e mamãe te desejamos um feliz aniversário, com a certeza de nosso amor cada vez maior por você e o consolo de sabermos que um dia seguiremos como encantados ao lado seu. Ate mais, filhão.
Obrigado a Chico e Cristovão Bastos.


* Cantor e compositor

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Idoso, quem quer ser?

Bueno *

Acho esse negocio de ser idoso o maior barato, pois estou com 66 anos e nem vi o tempo passar, talvez até porque não paro, estou sempre em processo de criação. Sempre fui assim, de ter várias atividades caminhando juntas. Nunca aprendi a escrever a máquina, achava que jamais precisaria, de repente me vi aposentado e como é um processo natural, a vida vai nos tirando algumas coisas, mas nos dá outras. E foi o que aconteceu comigo, comecei a escrever crônicas com um amigo teclando pra mim, uma vez que não tinha nenhuma habilidade com o computador, ia sacando como ele usava o word, e aquele processo de salvar e tudo mais, acabei me apaixonando pela máquina e hoje ela é uma companheira e tanto.
Às vezes cruzo com amigos do tempo de grupo escolar, do tempo ginasial, alguns estão no maior bagaço, daí me ponho a pensar: “será que eles me vêem da mesma forma como os estou vendo???” Ora, se vêem, não to nem aí, só sei que muitos não se cuidam, nada fazem para se ajudar, talvez um pouco de auto-estima pudesse fazer uma grande mudança, mas tem que sacar a parada.
Outras vezes pergunto a antigos amigos se eles têm e-mail ou faceboock, a grande maioria diz nem querer saber, daí discordo e até já mudei hábitos de alguns, acho que com tanta modernidade, não acompanhar pelo menos o básico, é isolar-se. Não sei se estou certo ou errado, mas sei que dou muito trabalho para meu filho Paulo Bueno nas coisas mais complicadas com meu notebook, mas ele tem a paciência e está sempre disposto a suprir essa minha falta de talento. assim vou vivendo e muito feliz da forma que levo a vida.
Dia desses, no estacionamento de um shopping lotado, eu estava tirando meu carro e um jovem deu uma volta para ocupar minha vaga. Quando ele se aproximava, um senhor aparentando uns 70 anos colocou o veículo dele na vaga, daí o jovem disse: “O vovô, coloque no lugar dos idosos, deixe esta vaga pra mim”. Várias vagas para idosos ficavam do lado e estavam vazias, mas o senhor, com um mau humor tipo do cantor Jamelão, respondeu com tudo:” Coloque lá você, quem te disse que eu sou idoso???” O rapaz até se desculpou, o idoso saiu e o moço me disse: “Essa eu não entendi”. Até falei: “este não aceita a idade.”
Das mais diversas vantagens que os idosos conquistaram, a que mais uso é o estacionamento, fila de idoso em supermercado nem pensar, só em último caso. Dia desses, num deles, entrei na maior roubada. A fila comum estava enorme, daí resolvi encarar a dos idosos, que estava bem pequena. A minha fila não saía do lugar, a outra ia de vento em popa. Depois é que saquei, as pessoas bem mais idosas têm dificuldade com cartões, localizar dinheiro na bolsa, embalar as compras...
Nesse dia até presenciei um bate-boca entre duas velhinhas com uma senhora bonitona que estava na frente delas. Aachavam que a moça não tinha 60 até que a bonitona estourou, dizendo: “Se estou aqui é porque tenho direito, não aparento idade porque não bebo, não fumo e meu marido cuida muito bem de mim.” Silêncio geral na fila.
Batendo papo com meu amigo Tião do Violão, ele saiu com essa: “Buenão, veja como é a vida, quando éramos jovens e solteiros, íamos para o Guarujá e voltávamos contando o maior papo, que descobrimos uma boate nova e coisa e tal. Depois a gente casa, vem os filhos, daí vai pra lá e volta dizendo: ‘descobri um restaurante que vou te contar’. E hoje, quando vamos pra lá, voltamos dizendo: ‘descobri uma farmácia que é show de bola...’” Caímos na risada!!! Esse Tião...
A maravilhosa atriz Fernanda Montenegro disse e eu adorei: “Quero envelhecer naturalmente, quero curtir cada nova ruga em meu rosto e lembrar o quanto foi difícil conquistá-las.”

* Cantor e compositor