sexta-feira, 24 de maio de 2013

O velório do piloto boêmio

* Bueno
buenocantor@terra.com.br
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Olha, já toquei e cantei em velório a pedido do amigo falecido, até discurso fiz. Teve um em que fizemos o maior samba da paróquia, tudo regado a batidas de tudo que é jeito, caipirinha, cerveja, maior boca livre. Se alguém caísse ali de paraquedas sequer poderia imaginar o que estava acontecendo.
O velório do sambista João Nogueira foi histórico, a imprensa até deu uma cobertura legal, preservo com carinho em meus guardados uma página da revista Veja que retrata o que aconteceu na festa  – opa!!! Velório do grande João, cantor e compositor dos bons, sua obra o imortalizou.
Ele já tinha tido um piripaque e pressentindo que seu prazo de validade estava se esgotando e que a qualquer momento podia se mandar, tratou logo de reunir a família e dizer que em seu velório não queria ninguém chorando.  Era pra convidar todos da escola de samba Tradição, fundada por ele, e também da Portela, que foi sua escola por muito tempo. Nem precisou, todas as escolas se fizeram presentes.
João Nogueira queria muito samba e batucada e destaque para os 300 litros de chope para banhar a sede dos chegados com esta água que passarinho não bebe. Zeca Pagodinho, no maior pileque, não parava de cantar para o amigo.
Luiz Airão, que era confundido com frequência com João Nogueira, disse que estava a caminho do velório do amigo quando, numa esquina, fez uma conversão irregular. O guarda apitou e ao se aproximar, disse: “Até tu, seu João Nogueira...”
A história de hoje não fica muito atrás, não. Quem me contou foi Giba do Pandeiro. Disse ele que foi procurado pela dona de uma funerária, aqui de Ribeirão Preto, que queria contratar seu grupo de chorinho para tocar no velório de um cara que era um apaixonado por choro e vinho chileno... Giba ficou surpreso, pois nunca tinha tocado em velório, e logo perguntou: “Onde está o corpo???” Ela, sorrindo, disse que o cara ainda não tinha morrido. Giba não entendeu nada, mas a mulher completou: o futuro defunto estava vivinho da silva, era piloto de avião internacional e só estava fazendo uma reserva musical funerária pra quando morresse (rsrsrsrsr).
Passada a surpresa, ela disse a Giba que o piloto era um bom vivant, boêmio como poucos, e que onde houvesse uma roda de choro, marcava presença levando suas garrafas de vinho chileno. Ela também falou ser amiga dele de longa data, o cara morava em São Paulo, o filho também era piloto e seu desejo era ser enterrado aqui. Ainda alertou que ela não deveria esquecer de nada do que haviam combinado.
O futuro defunto morava em São Paulo, mas queria ser enterrado aqui com chorinho e era pra servir aos amigos vinhos chilenos. Ele gostava tanto de vinho que nas suas folgas viajava de passageiro até o Chile só pra tomar essa bebida, no maior bate-volta.
Negócio fechado, porém sem data marcada, coisa inédita, o tempo passou e Giba seguindo sua vida... Até tinha esquecido dessa história quando, um ano depois, a dona da funerária lhe avisa da morte do piloto boêmio. E lá foi nosso músico cumprir o prometido. Disse que nem parecia velório de tão chique, garçom vestido de pinguim, buffet brilhando e o tal vinho chileno em taças cristalinas.
Giba, tocando seu pandeiro, ficou intrigado com uma cena: ao lado do defunto havia também uma taça de vinho. Em um intervalo musical, ele foi até perto do caixão e perguntou ao filho piloto do morto o porquê daquela taça de vinho... O jovem respondeu: “Nossa!!! Tinha me esquecido do velho!!!” Pegou na mão do pai, colocou seu dedão na taça e levou até sua boca que estava entreaberta, isso várias vezes. Giba assustou ainda mais foi quando o jovem reveou que aquele era um pedido do pai: servir vinho aos amigos. mas não esquecer dele...

* Cantor e compositor 

domingo, 19 de maio de 2013

Viajando de avião


* Bueno
buenocantor@terra.com.br
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Conhecer o Rio de Janeiro era um antigo desejo que trazia comigo, sempre quis visitar a cidade cantada em verso e prosa pelos poetas, músicos e compositores. Descobri que o nosso maravilhoso Sesc tem um braço bem ali em Copacabana, a cem metros da megafamosa praia. Convidei minha irmã Rose e meu querido cunhado Junqueira para nos fazer companhia e de repente, aos 45 do segundo tempo, se juntaram a nós duas sobrinhas, Roberta e Rejane.
Antes das cinco da manhã do dia 10 de abril, estávamos fazendo chek-in para o voo das 5h30. Já tinha dado um toque para Junqueira que não levasse nada de metal, nem na bagagem de mão e muito menos no bolso, porque não passaria por aquela porta dedo-duro que não perdoa nada metálico. Como sei que ele tem o estopim mais que curto, fiquei por perto, passei minha bagagem naquela mesa rolante quando a moça falou: “O chapéu também.”
Mesmo sem entender, obedeci. L ogo depois olhei e lá vinha Junqueira rumo à famigerada porta, com seus 1,82 metros bem distribuídos nos seus cem quilos de peso, cabelos e vasto bigode branqueados pelo tempo, retratando ser sessentão. Na primeira tentativa o alarme apitou, Junqueira retornou e tirou algumas moedas do bolso. Resmungou baixinho: “Pô, não sou nenhum bandido e essa porta me fazendo passar o maior mico.”
Tentou passar outra vez e a porta, para sua irritação, novamente fez “piiii”, dedando o já nervoso Junqueira que balançou a cabeça meio que contrariado, torcendo seu bigodão. Querendo demonstrar que estava calmo, Junqueira tirou do bolso um chaveiro que tinha de tudo dependurado: chaves, canivete, abridor de cervejas, pé de coelho e até santinhos. E lá foi ele na terceira tentativa. Junqueira estava vermelho de tanta bronca, e olha que nessa altura do campeonato, uma razoável plateia se juntava ao redor esperando o desfecho final.
E não é que a caprichosa porta fez o maior escândalo? Piiiiii!!!! Aí o bicho pegou, via sair fumaça da cabeça do velho Juca, que estava uma fera, e antes que ele desse uma voadora em quem estivesse por perto, alguém da plateia gritou: “Tire o cinto”. E não é que estava ali o motivo da muvuca, uma fivela grossa do cinto? Ele o tirou e, segurando a calça com as mãos,  meio que ressabiado, olhando para a campainha da porta passou calmamente...Ufa!!! Para alegria geral da nação, não apitou, alivio geral, a galera até aplaudiu.
Já no avião ele me confessou: “Buenão, se eu tivesse uma calibre 12 na mão, desmanchava aquela maldita porta no tiro.” Lógico que ele estava exagerando.
O voo foi supertranquilo e uma hora depois o piloto nos avisava que já iríamos pousar. Da minha janela olhava aquela cidade maravilhosa. No peito, meu velho coração bateu descompassado, senti minh’alma agradecer-me por aquele momento tão lindo. A passar ao lado do Cristo Redentor a emoção foi maior, fiquei imaginando o que sentiu Tom Jobim, que tinha medo de voar e vivia dizendo: “O defeito é aqui em cima, mas a oficina é lá embaixo”.
Tom voltava para sua cidade depois de passar muito tempo em Nova Yorque, e quando avistou aquela lindeza compôs mais uma obra-prima, o Samba do Avião, que escrevo parte da letra abaixo.
 “Minha alma canta, vejo o Rio de Janeiro, estou morrendo de saudades, Rio seu mar praia sem fim, Rio você foi feito pra mim... Cristo Redentor, braços abertos sobre a Guanabara...”
Aterrissaamos no Aeroporto Santos Dumont, não sem antes sobrevoarmos tudo aquilo que apenas víamos pela televisão. O piloto tem que ser bamba, amigo, ele tira a maior “fina” da Ponte Rio Niterói, nos dando a impressão que passaria num de seus vãos e em seguida aterrissa numa pista que está sobre o mar, 0tanto a cabeceira quanto o seu final, se errar estamos literalmente dentro d’agua. Daí para o Sesc foi tudo beleza, rimos muito das trapalhadas do Junqueira. Mais tarde, em seu quarto, descobrimos que em sua mala ele trouxe de tudo: alicate, chave de fenda, pedaços de arame e até barbante. Daí nós o apelidamos carinhosamente de “Posto Ipiranga” .

* Cantor e compositor

Sambando no Corcovado


* Bueno
buenocantor@terra.com.br
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Vendo noticias na TV e lendo jornais, aportei no Rio de Janeiro com um pé atrás, assim meio que tendo que tomar cuidado com taxistas, vans, ônibus, objetos de valor nas mãos e tudo mais. Estávamos em seis pessoas e logo passamos uma borracha em toda a má impressão que esperávamos, até porque os dois profissionais do volante que nos conduziram até o Sesc Copacabana foram de uma fineza sem limites, não houve maracutaia nenhuma.
O carioca sabe receber turistas como ninguém.No famoso calçadão de Copacabana, usamos como referência um enorme quiosque da Skol que fica próximo ao Posto 5 – é assim que eles dividem as praias. Logo no primeiro dia em que fomos ali picar cartão, uma moça nos tratou com uma atenção de se admirar. Dissemos que éramos de Ribeirão Preto e que havíamos acabado de chegar. Meu cunhado Junqueira, de cara, pediu uma caçamba de cervejas, ela não entendeu a palavra caçamba e depois de alguns segundos, disse: “O senhor quer dizer um balde com cervejas e gelo, não é??? É assim que chamamos aqui.”
Resolvido o mal-entendido, descobrimos o nome dela, Cida. Foi muito gente fina, acredito ser pela nossa contagiante alegria, logo ficou íntima, daí fomos pedir algumas dicas sobre vans para nos levar ao Corcovado. Cida, toda prestimosa, falou: “Por que vocês não vão de ônibus??? É barato e deixam vocês no pé do Morro do Corcovado.” E disse mais: “Se estiver nublado, nem adianta ir porque vocês vão perder o mais importante, que é a vista maravilhosa de todo o Rio de Janeiro”.
Cida atendeu outras mesas e logo voltou com papéis conten­do várias anotações, tipo números do ônibus e a linha que ele fazia. Ela retornou várias vezes pra falar com a gente sobre locais e horários que deveríamos evitar, como não ir nos Arcos da Lapa durante a semana, só de sexta a domingo, e muitos outros conselhos.
Descobri ali que Deus, como sempre tem feito em minha vida, havia colocado um anjo em nosso caminho. No outro dia pela manhã, tomamos o buzão rumo ao Corcovado, até porque o dia estava lindo. O trajeto me remetia a lugares que já tinha lido e visitado em sonhos inúmeras vezes. Já no pé do morro lotamos uma van com vários turistas de outras nações e o motorista foi também de uma atenção sem igual. No caminho ele parava para nos mostrar pontos interessantes, e na subida cruzamos com o trenzinho do Corcovado. Lá dentro rolava o maior samba.
Quase chegando no topo, a van para. Ou você encara 200 degraus ou uma escada rolante. Fui nessa e ela me deixou aos pés do Cristo, onde uma emoção inexplicável invadiu meu peito, chorei muito, olhava ao meu redor e via centenas de pessoas, todas com lágrimas nos olhos, momento único. O Cristo Redentor é uma das maravilhas do mundo.
Vê-se o Rio inteiro de lá, nossa turma até ensaiou um coro cantando Samba do Avião, de Tom Jobim. Pra descer, decidimos fazê-lo de trenzinho e logo o grupo de sambistas atacou com O poder da criação,um samba de João Nogueira. Eu que sou chegado mandei ver no gogó e foi aquela festa no vagão, descendo o Redentor cantando o genuíno samba carioca, nada paga um momento deste.
De volta ao Posto 5, nossa base, não víamos a hora de contar pra Cida nossa aventura em terras cariocas. Ela estava super feliz, sabendo que nos foi útil. Na conversa, disse morar na Favela da Rocinha, que trabalhou oito anos em um hotel. Disse também que fala inglês e espanhol e que não vê a hora de chegar 2014, quando a Copa da Fifa trará turistas do mundo todo.
Depois de um dia show de bola, nada melhor que uma cerveja gelada para fechá-lo com chave de ouro. Junqueira tomou a frente e logo falou: “Cida, traga pra nós uma caçamba... ops... um balde de cervejas até porque estamos com uma sede de anteontem.” Alegria na nossa mesa, e Cida novamente nos passou papéis com anotações para nosso próximo passeio.

* Cantor e compositor

Pão de Açúcar adoça o Rio de Janeiro


* Bueno
buenocantor@terra.com.br
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Para você que está acostumado a ler minhas crônicas e ainda não conhece o Rio de Janeiro, como eu até um mês atrás, convido-o a acompanhar-me neste passeio que até pode lhe servir como uma preciosa dica.
Acho que ir de avião é mais viável, pois em uma hora estará em terras cariocas. Procure sempre os táxis de cor amarela, eles são de uma cooperativa, cobram preços justos e transpor­tam quatro pessoas. Fiquei em Copacabana e, duas ruas paralelas à avenida Atlântica, fica a avenida Nossa Ssenhora de Copacabana, onde passa ônibus que o levará para qualquer lugar do Rio de Janeiro. Três quarteirões depois também tem um metrô que cruza a cidade toda.
Usei todos estes meios de transportes quando lá estive. O metrô fez a alegria das mulheres, pois tem parada na entrada do Saara, uma espécie da nossa 25 de Março, em São Paulo. O Saara tem um tamanho descomunal, é a maior muvuca, amigo!. Elas foram lá por duas vezes em quatro dias...
Nós já tínhamos conhecido o Redentor, faltava o famosíssimo Pão de Açúcar e seu bondinho dependurado em cabos de aço. De repente estávamos no ponto aguardando o ônibus 407 (Urca), que nos deixou na casa do bondinho. Tudo muito organizado, com camelôs gritando: “Olha a água, aqui em baixo é dois reais, lá em cima é cinco!” E ele falava a verdade, lá em cima tudo é muito mais caro.
Sessentões brasileiros pagam meia, e a lotação do bondinho é de 50 pessoas. Não tem banco, mas corrimão para apoio, balança um pouco, mas nada que possa nos colocar medo. Para subir ele vai no maior pau e para no primeiro estágio, que de baixo parece pequeno, mas quando lá chegamos fiquei des­lum­brado com uma estrutura que sequer imaginava. Tem heliporto para voos panorâmicos, bondinho aposentado para se tirar fotos, estátuas dos engenheiros que construíram tudo, tem bares e lojas, tem salão de festa muito chique, tem também uma casa de shows em forma de arena, com camarotes muito sofisticados...
Fui conhecê-la e conversar com o pessoal do som que montava o equipamento para o show de Maria Gadu e Jorge Bem Jor. Veja bem, tudo isso no topo do morro. Perguntei se eles sabiam onde morava Roberto Carlos ali na Urca, um deles muito prestativo acompanhou-me até a guarda de proteção, apontou a estátua de uma santinha sobre uma enorme pedra cem metros dentro do mar e disse que o Rei morava em frente. Nossa visão estava encoberta por árvores, e o homem disse que no segundo estágio eu poderia ver melhor.
Aboletamos no bondinho morro acima e lá chegando parecia estar viver um sonho por causa da tamanha beleza. É tão alto que podíamos ver Copacabana bem pertinho, o Redentor, o Aeroporto Santos Dumont em que descemos, a Ponte Rio Niterói e a cidade de Niterói todinha, a região dos lagos, a Marina da Glória com seus barcos e iates sofisticados, centenas de navios gigantes...
Fui até o gradil de proteção de onde também se via todo o bairro da Urca. Dali visualizei a santinha e, em frente a ela, a casa do Roberto Carlos, bem ao lado de uma igreja onde ele frequenta missas. Nessa parte mais alta do Pão de Açúcar também tem várias lojas, bares e restaurantes bem aconchegantes, uma estrutura de primeiro mundo para receber turistas de todas as línguas.
Lá naquela altura convidei meu cunhado Junqueira para molhamos a palavra admirando aquela magnífica obra do criador.
Demos um tempo e começamos a operação descida, bondinho lotado, o piloto disse que a descida tem que ser maneira, nada de correr, fiquei observando-o apertando botões, seguran­do no freio, tudo muito rápido e logo estávamos em terra firme. Olhava nos olhos das pessoas que pareciam estar adocicadas de tanta felicidade. O Pão de Açúcar adoça os olhares do mundo e adoça o seu Rio de Janeiro.

* Cantor e compositor