sábado, 15 de novembro de 2014

Sócrates e os cientistas

Bueno *
buenocantor@terra.com.br
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Algum tempo depois de Sócrates ser resgatado para morar na esfera superior, estava eu uma noite no Templo da Cidadania a convite do Kaxassa, cineasta e agitador cultural de Ribeirão Preto – gosta tanto do apelido que o incorporou ao nome, Fernando Kaxassa. Levando um lero com ele, com o cotovelo naquele balcão de madeira apreciando aquele chope da Colorado, o papo rolava solto. Entre as personalidades presentes naquela noite estava o doutor Sérgio Ferreira, cientista e professor da Universidade de São Paulo (USP).
Ele foi professor de Medicina de Sócrates, doutor Sérgio é hoje recconhecido internacionalmente, pois descobriu que no veneno da cobra jararaca havia um novo remédio para controlar a pressão arterial. Depois de derrotarmos alguns chopes, meu querido amigo cientista se aproximou e, como sempre, veio falar sobre o Sócrates.
Com orgulho comentava que o Magrão foi seu aluno mais brilhante, disse ele que ele viajava muito com o Botafogo e perdia muitas aulas em comum acordo com alunos de classe, que o tinham como ídolo. Mudavam as datas das provas para que nosso craque não fosse prejudicado. Chegava de viagem, dava uma lida rápida nas matérias e sempre tirava notas melhores que os outros, que rachavam de estudar.
Entre um chope e outro, doutor Sérgio disse que se Sócrates, ao invés de optar pelo futebol, abraçasse a medicina teria sido um dos maiores cientistas do mundo. Daí até fiz uma brincadeira: “Pois é, Serjão – assim o tratamos na intimidade –, o cientista só mudou de lugar, foi para os campos do mundo levar toda a essência do futebol, o mundo teve a oportunidade de ver um cientista da bola. Para ele, o resultado do jogo era o menos interessante, o importante era o espetáculo. Quando ele saía de campo com a certeza de havia sido um grande jogo, sentia-se realizado.”
Por falar em cientista, o brasileiro Paulo Teixeira, ligado ao governo federal, convidou um grupo de cientistas americanos e europeus para uma expedição que fizeram muitos anos atrás, ou seja, descer um rio do pantanal visitando ribeirinhos e pesquisando tudo. Os estrangeiros queriam saber da possibilidade de convidarem Sócrates para esta parada e, depois de muita insistência, Magrão topou, desde que no navio tivesse muita cerveja. Bases acertadas, lá foram eles, levando também o Kaxassa.
Disse Kaxassa que a cozinheira Tereza, que era superfã de Sócrates, não sabia o que fazer para agradá-lo e lhe cobria de mimos. Também não sabe explicar como toda população ribeirinha já sabia que naquela embarcação estava o Doutor Sócrates. Logo na primeira parada, num pequeno vilarejo, alguém encaminhou até ele um caboclo com um enorme facão na mão. O cabra tinha fama de matador e foi dizendo a Sócrates que a mulher dele não andava, tinha dores terríveis no joelho, uma das especialidades do Doutor.
O matador queria que ele a atendesse, mas não queria que colocasse a mão na perna da sua mulher. Sócrates deu uma recuada e disse: “Eu sou médico, só quero poder ajudar”. Aí o cara respondeu: “Doutor o senhor pode, mas só o senhor que foi capitão da mais linda seleção que vi jogar.” Sócrates apalpou seus joelhos, o homem só de butuca, depois mexeu aqui, mexeu ali e pediu pra ver os remédios que ela estava tomando. Na hora ele jogou todos no rio e disse: “Tá tudo errado”. Em seguida prescreveu o que ela deveria tomar.
O navio seguiu rio abaixo e as histórias pipocavam uma atrás da outra, os cientistas mal acreditavam que estavam ali com Sócrates. Kaxassa disse que uma sueca parecia ver miragens. A cozinheira do navio aceitou o convite de Sócrates e Kaxassa para conhecer Ribeirão Preto e também sair no bloco de carnaval Berro, e assim pode rever os amigos que fez na expedição.
Sócrates perguntou sobre o caboclo e sua mulher medicada, ela disse que como um milagre a dona foi curada e até estava pescando com o marido, e que agradece a Deus sua passagem por lá. Kaxassa, quando lembra de tudo isso, sempre repete: “Buenão, o Magrão era um bruxo, amigo...”
* Cantor e compositor