domingo, 28 de abril de 2013

Conhecendo o Garota de Ipanema



* Bueno

Estava numa roda de samba com meus companheiros de copo e música quando, num intervalo, encostei meu cavaquinho e disse para meu parça Tião do Violão que não armasse nada para o próximo final de semana, porque estaria viajando... “Vou conhecer o Rio de Janeiro” disse aos amigos. A galera até sorriu, menos Tião, que meio que assustado, disse: “Você está louco, Buenão?!” E respondi: “Por que louco, cara?  Rio é Rio, amigo, e sempre fui maluco para conhecer a capital do samba, meu velho.”
“Mas Buenão”, respondeu Tião, “não é um bom momento pra você aportar na terra do nosso ídolo Paulinho da Viola, você não tem acompanhado os jornais e TVs??? É motorista de ônibus brigando com passageiro e caindo de viaduto, é turista estuprada em vans, sem contar que uma bala perdida pode escolher você como alvo.” Nesse momento, Giba da Cuíca invade o campo, dá uma de zagueiro e mata a jogada do mestre do violão. “Tião, você é muito pessimista, deixe o Buenão levar sua alma para dar um passeio, cara!!! Ele vai voltar reno­vado, cheio de novidades pra nossa roda.” Tião baixou a bola, a turma toda concordou com Giba, voltamos ao samba.
Já no Rio, acomodados no Sesc Copacabana, fomos dar um rolê pelo mega e famoso calçadão à beira mar, onde tudo acontece. Seu lindo desenho, com o formato de ondas do mar, é uma criação do paisagista Roberto Burle Marx. Protegendo o calçadão de ponta a ponta está a avenida Atlântica. Nós estávamos em seis e logo demos de cara com dois sambistas dormindo, um no banco e outro na areia, tendo como coberta suas fantasias de escola de samba, retratando que a noite invadiu o dia.
Mais a frente um camelô vendia chapéus lindos, e aumentei ali minha coleção. Seguimos rumo à Praia de Ipanema, logo a frente estava a estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade, pensativo em seu banco. Pedi licença, sentei-me ao seu lado, botei em sua cabeça um chapéu que havia acabado de comprar e até lhe declamei um poema seu. Fiquei arrepiado, parecia me ouvir. Cem metros depois, outra estátua, agora era Dorival Caynmmi em tamanho natural, na maior pinta de malandro carregando seu violão. Fizemos fotos, cantei-lhe Marina, composição sua. Continuamos nossa caminhada e, de repente, estávamos na linda Praia de Ipanema, e eu curtindo cada passo dado, tudo que estava vivendo ali pra mim era história pura, parecia um sonho eu caminhando naquela praia.
Já na avenida Vieira Souto, cruzamos com a rua Vinicius de Moraes, nosso poeta, dali cem metros pra dentro, numa esquina, está o histórico bar “Garota de Ipanema”. Quando Tom Jobim e Vinicius de Moraes nele picavam cartão diariamente, chamava-se “Bar Veloso”. Dali eles viam Helô Pinheiro, ainda adolescente, passar de biquíni rumo à praia, e começaram a brincar com palavras tipo: “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça, é ela menina que vem e que passa, num doce balanço a caminho do mar...”
Nascia ali uma das músicas brasileiras mais tocadas no mundo, gravada até por Frank Sinatra. Vinicius escreveu a letra num guardanapo do bar. Com o sucesso da música, aquele ponto tornou-se referência e o carioca muito esperto tratou logo de mudar o nome do bar.
Percorri cada canto dele, que traz em suas paredes toda a historia que já tinha lido. Num relance fechei os olhos e me vi sentado na mesa com meus ídolos, foi show de bola. Num canto tem uma mesa colocada estrategicamente bem embaixo da partitura da famosa música, convidando fãs para fazer uma foto. Na calçada e na parede, em letras enormes, o nome do bar e também outra partitura da música.
Visita feita, sonho realizado, ninguém queria voltar a pé os cinco quilômetros até o posto cinco, daí encaramos uma “van” cujo motorista era uma educadíssima mulher que nos deixou bem em frente a um quiosque. Nos aboletamos numa mesa e como ninguém é de ferro, picamos cartão em plena praia de Copacabana.

* Cantor e compositor

sábado, 6 de abril de 2013

Boêmios... onde estão?


“A lua é o sol dos boêmios. Criei esta frase para homenagear os amantes do sereno.” Se Nelson Gonçalves voltasse hoje aqui na terra e desse uma volta pelas noites, na certa teria uma grande decepção, os boêmios e a boemia cantada por ele sumiram, pelo menos aqui em Ribeirão Preto... meu reduto.
Sobre os bares, conta-se nos dedos aqueles em que ainda podemos ouvir repertórios boêmios, aqueles que te levam a viajar nas letras inspiradoras, um desamor, uma história cantada e contada com apenas uma voz, uma percussão e um violão. Grandes cantores deste estilo morreram ou deixaram de cantar, até porque não tem mais público para seu estilo musical. Por sorte tenho alguns amigos que ainda não jogaram a toalha e continuam resistindo bravamente ao tempo, estão na ativa cantando aqui e ali e a gente vai descobrindo onde estão e vamos lá colocar os cotovelos na mesa para ouvir o que gostamos.
Os cantores antigos sabiam da preferência musical dos boêmios, e até o momento em que deveriam cantar determinada música, para aqueles que sempre os prestigiaram nas noites. O cantor sabia seus nomes e tudo da vida dos antigos boêmios. Digo isso pela experiência que adquiri cantando por aí, só no Restaurante Ponto Chic cantei 16 anos, ali vi inícios de namoros que davam em casamentos, depois voltavam já com filhos que dormiam em carrinhos ao lado da mesa... Saudades??? Sinto demais!!!
Cantando na noite perdi a conta do quanto interpretei o célebre samba-canção de Adelino Moreira, A volta do boêmio. Considerado o hino dos boêmios e imortalizado na voz de Nelson Gonçalves, desfila todo seu amor pela boemia.
No começo da música, após longa ausência, ele saúda a boemia dizendo estar de regresso e suplica que ela o aceite outra vez, deseja fazer a sua nova inscrição. Em seguida diz: “Voltei, pra rever os amigos que um dia, eu deixei a chorar de alegria, me acompanha o meu violão”. Aí é que digo: Nelson chega empunhando seu pinho, mas vai cantar pra quem??? Os boêmios sumiram, hoje são avós, bisavós e pouco saem de casa, seus filhos estão em outra, mas no coração, velhos amantes da noite carregam o que há de mais puro na sua essência. Continuando a música, ele diz: “Boemia, sabendo que andei distante, sei que esta gente falante, vai agora ironizar, ele votou, o boêmio voltou novamente, partiu daqui tão contente, por que razão quer voltar???”
 A boemia estava aborrecida porque ele a deixou para viver um grande amor e pergunta: “Por que razão quer voltar???” Mas nesta música bateu arrependimento e boêmio que é boêmio sente saudades da vida vivida, daí convence a amada que ela e a boemia são seus grandes amores, e ela pra não perdê-lo sabiamente diz essa coisa linda: “Meu amor você pode partir, não esqueça o seu violão, vá rever os seus rios, seus montes, cascatas, vá sonhar em novas serenatas, e abraçar seus amigos leais... vá embora, só me resta o consolo e a alegria, em saber que depois da boemia, é de mim que você gosta mais”” Já pensou, amigo, esta vida moderna tirou de vez os boêmios de campo, que mulher aceitaria hoje um marido boêmio? Com certeza digo que poucas, a não ser que vá junto.
Caburé, o ultimo boêmio daqui, contou-me que certa noite cantava em um bar e uma fã engraçou-se com ele. Não demorou muito estava sob seus lençóis, de mala e tudo, morava com ela, mas continuava na boemia, até que a moça enciumada lhe deu um ultimato: a noite ou eu...
“Buenão, veja só, cara. Ela me conheceu fazendo o que mais gosto que é cantar, agora quer exclusividade??? Não tive dúvidas, pedi minha nova inscrição na boemia...” Dedico esta crônica aos bravos boêmios que teimam em resistir à mo­dernidade.

* Cantor e compositor