domingo, 30 de março de 2014

Sócrates, o craque da democracia

Jogador teve papel fundamental na luta pelas Diretas Já

Jornal A Cidade - Tiago Freitas

Uma das mentes mais brilhantes da história do futebol nacional, Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, paraense radicado em Ribeirão Preto, não representou a nação apenas como “futebolista” em 65 jogos pela seleção Canarinho. Seus 15 anos como atleta profissional também foram marcados pelo envolvimento com a política do país, sendo ativo durante a campanha “Diretas Já”, que buscou, entre 1983 e 1984, convencer o então governo militar de João Figueiredo a implantar eleições diretas para a presidência do Brasil.
“O Magrão surgiu como uma liderança naturalmente. Foi ele quem ajudou a coordenar a Democracia Corinthiana na época. Os políticos faziam uma analogia: ‘Se um dos maiores clubes de massa do país pode, por que o Brasil não pode?’. A partir daí, a presença do Sócrates passou a levar cada vez mais as pessoas a se familiarizar com a causa”, conta o amigo Fernando Kaxassa, de 53 anos, produtor cultural e atual presidente do Cineclube Caium.


Democracia corinthiana
Envolvido tanto em assuntos relacionados ao bem-estar dos jogadores quanto aos temas do país, Sócrates foi um dos principais idealizadores da “Democracia Corinthiana” (com th), período entre os anos de 1982 e 1984 e que reivindicava mais liberdade para os jogadores e mais influência nas deliberações administrativas do clube.

“Tudo era levado a voto e todos votavam: diretoria, jogadores, funcionários tinham a mesma importância. Até as regras de concentração dos atletas eram resolvidas assim. Ninguém no clube era maior do que ninguém. Todos eram iguais”, comentou Kaxassa.

Frase marcante

O produtor cultural também lembrou-se de uma frase de Sócrates que marcou a época das grandes manifestações pelas eleições diretas para Presidente da República. “Ele já estava negociando sua ida para a Itália [Fiorentina, onde atuou por uma temporada] e disse: ‘Se o Congresso aprovar as eleições diretas, eu não saio do país’. Foi simbólico, mas infelizmente o que aconteceu foi exatamente o contrário”, relembrou Kaxassa.

'Fazia acontecer'
Em 2009, durante evento em São Bernardo do Campo com a presença de Sócrates e Kaxassa, o ex-Presidente Lula, confidenciou ao último que a campanha que clamava por eleições jamais teria o mesmo peso não fosse a atuação do ex-meia da Seleção Brasileira. “O Lula me disse que o Dr. Sócrates fazia tudo acontecer. No país do futebol, o líder de um time como Corinthians era uma espécie de imã e tinha poder de conscientização”, explicou.

Magrão na mira do Deops
A representatividade do ex-atleta, falecido no dia 4 de dezembro 2011, fez o Deops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo), órgão estadual de repressão a movimentos contrários ao regime Militar, colocá-lo sob monitoramento constante no final da década de 80. O prontuário dizia que ele era potencial candidato à Prefeitura de Ribeirão Preto pelo PT.


‘Diretas Já’ na CBF
Três meses antes de falecer, ao sair do hospital onde ficou internado com hemorragia digestiva, Sócrates não esqueceu seu viés político e clamou: “É hora de nova ‘Diretas’. ‘Diretas Já’ para a presidência da CBF”.




sexta-feira, 14 de março de 2014

Pais e filhos

Bueno *

Faz alguns anos, eu estava em Camboriu (SC) e, depois de uma linda tarde, num delicioso bar à beira mar, ouvi pela primeira vez, com Renato Russo e banda, sua música “Pais e filhos”. Desliguei-me do papo dos amigos e me concentrei na letra, até viajei em tudo que ele cantava, senti até pena em alguma parte do que ele escreveu, me coloquei menino em seu lugar, principalmente quando diz “quero colo, vou fugir de casa. Posso dormir com vocês, estou com medo, tive um pesadelo, só vou voltar depois das três...”
Diz também que já morou em tantas casas que nem se lembra mais. “Eu moro com minha mãe, mas meu pai vem me visitar” Esta parte da letra é uma pancada no peito, é muito triste... Foi um dos maiores sucessos de Renato Russo, grande poeta e compositor, e essa música se identificava com muitos jovens de qualuer época.
Eu vejo hoje a situação de alguns amigos e suas histórias, suas relações com seus filhos, daí resolvi escrever esta crônica, começando com a canção de Renato Russo. Um destes amigos descobriu que seu filho, ainda adolescente, estava envolvido com drogas, na época maconha. É a porta de entrada para outros entorpecentes mais letais, e não adianta ninguém querer me convencer do contrário.
Quando via o filho deste amigo usando camisetas do Bob Marley com desenhos de folhas de maconha, até comentei com ele sobre o perigo. Disse que maconha é coisa fraca e que ele logo deixaria o vício. Temos organismos diferentes e não deu outra, se para ele maconha era droga fraca, seu filho também achava e partiu pra cocaína, depois crack e hoje, com mais de 30 anos, este jovem a quem me refiro já passou por dezenas de internações. Tudo isso depois de desestruturar a família, até o carro do pai roubou pra pagar dividas de seus vícios. Continuo vendo a luta de seus pais e torço para que ele se encontre.
Outro dia, lendo uma postagem no Facebook do meu afilhado Júlio Cesar, que é músico do Sambô (sucesso nacional), ele comentou que foi gravar com um amigo de São Paulo uma música sobre pai e ficou super-emocionado, daí contou que seu pai, Paulo Sérgio, faleceu quando ele tinha meses de idade. Júlio escreveu palavras tão carinhosas sobre seu querido pai, que em vida não pode acompanhá-lo, até parecia que o fato não acontecera de tão presente que seu pai ainda é em sua vida.
Júlio Cesar foi criado pela avó, pois a mamãe Conceição tinha que dar duro no batente. Conheci Júlio Cesar ainda menino, fiquei sabendo que ele era de Serrana, cidade vizinha de Ribeirão Preto, e que desde pequenino não escondia sua paixão pela música. Teve aulas de violão com o saudoso Zé da Conceição e de cavaquinho com Carlinhos Machado. Eu acompanhei de perto sua carreira, grandes artistas o queriam como músico, propostas mil para acompanhá-los, mas Deus sempre age e lhe preparou um futuro lindo, alguém o guiava, com certeza era seu velho pai, e o momento certo aconteceu com o Sambô. Como amo este menino, o tenho como filho, e pra mim será sempre um menino.
Quero agora falar de um amigo muito querido que teve vários casamentos, vários filhos, e entre eles um se envolveu com drogas e o mundo do crime, está sempre preso. Quando sai da cadeia, seu pai, que é bem relacionado na cidade, lhe consegue emprego, mas ele sempre pisa na bola, não tem jeito. Este meu amigo, dia desses, em lágrimas me confidenciou: “Buenão, veja como são as coisas, meu filho agora está preso perto de Bauru, mas de todos os filhos que tenho, ele é o único que me telefona e sempre me pede perdão, pede a minha benção, é o único que me fala ‘pai, eu te amo’.” Emocionado, o abracei carinhosamente... E quantas histórias como estas tenho pra contar, quantas...


* Cantor e compositor

sábado, 8 de março de 2014

Come-Fogo: naquele tempo...

Bueno *
buenocantor@terra.com.br
www.buenocantor.blogspot.com

É durante a minha caminhada matinal de cinco quilômetros que me surgem as ideias, às vezes mirabolantes. Hoje, quando estava na altura da avenida Nove de Julho, viajando na maionese, meus “bichinhos de criação” começaram a martelar minha cuca: “Buenão, porque você não escreve sobre personagens dos antigos clássicos Come-Fogo?” “Genial”, pensei, e pimba!!! Começaram a surgir na minha mente velhas figuras de nossa Ribeirão Preto.
Estava até imaginando como começar quando, passando pela padaria Nosso Pão, ali na rua Sete de setembro, vi conver­sando com Geraldo, o proprietário corintiano, meus amigos Marinho Sampaio, o vice-prefeito, e Ney, seu fiel escudeiro. Parei para um papo rápido, e contei a Marinho sobre esta crônica. Ney é muito novo e não se lembra, mas eu e Marinho voltamos a um passado de grandes personagens que enriqueciam a cidade e valorizavam qualquer jogo da dupla Come-Fogo.
Lembramos de Salim, comercialino de chorar nas vitórias e nas derrotas, ele tinha um bar na rua Tibiriçá, entre a General Osório e a  São Sebastião, e lá frequentavam as duas torcidas numa boa, num tempo em que a maldade passava longe. Despedi-me de Marinho e Ney e segui na caminhada. Minha cabeça continuava seu processo de criação e quando cheguei em casa só tive o trabalho de colocar as lembranças no papel.
Numa época em que o rádio AM reinava absoluto, e que para nossos talentosos jornalistas eram oferecidos contratos de se tirar o chapéu, tinha um programa que era líder de audiência, o “Balanga Beiço”. Ele era comandado pelos radialistas Tiri­rica e Corauci Neto, que satirizavam as noticias policiais. 
Lembro-me de que a população tinha mais medo de sair no “Balanga Beiço” do que da própria policia. O slogan do programa era “não entre em litígio com a policia para não virar noticia”. Ninguém queria ser estrela daquele noticiário porque a gozação durava semanas, era um verdadeiro show de rádio. O negócio fervia quando se aproximava a semana de Come-Fogo, tudo porque Tiririca era botafoguense e Corauci, comer­cialino.
Em todos os dérbis eles apostavam alguma coisa, lembrei-me de uma aposta em que quem perdesse teria que dar um mergulho nas poluídas águas do Retiro Saudoso, o córrego que divide a avenida Francisco Junqueira. A rádio PRA-7, hoje Clube, ficava ali na avenida. no cruzamento com a rua Barão do Amazonas. Como o tempo é inimigo da memória, não consegui me lembrar quem saiu lambuzado nesta aposta, mas sei que a avenida parou de tanta gente que queria ver o tal mergulho... Velhos tempos, belos dias.
Lembrei-me de quando apelidaram o Botafogo de “Chulé” e que comercialinos passavam ao lado do campo, ali na Vila Tibério, antigo Luiz Pereira, e jogavam sapatos velhos sobre o muro. Haja calçados. Daí botafoguenses que não queriam ficar pra trás apelidaram o Leão de “Penico”... E lá iam penicos pra dentro do antigo Costa Coelho.
Lembrei-me de um botafoguense histórico,“Pidão”, que levava pra arquibancada do Estádio Santa Cruz uma ensurdecedora buzina tocada a bateria. Quando saía alguma briga, ele estava sempre no “front” com seus quase dois metros de altura, um baita corpão, seu braço tinha a grossura da minha perna... Cada braçada dele mandava um monte pro chão. “Pidão” brigava bem e, num jogo contra o América, lá em São José do Rio Preto, o pau quebrou feio.
Estava ouvindo a Rádio 79, com Marcio Bernardes matando a pau na audiência. Vendo aquela muvuca toda, o radialista pegou o microfone e tranquilizou as famílias dos torcedores bota­foguenses dizendo que “Pidão” estava no meio dando pancada pra todo lado, até que a torcida contrária deu no pé. Histórias temos aos montes. Velhos clássicos Come-Fogo... Que saudade.

* Cantor e compositor