sábado, 15 de novembro de 2014

Sócrates e os cientistas

Bueno *
buenocantor@terra.com.br
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Algum tempo depois de Sócrates ser resgatado para morar na esfera superior, estava eu uma noite no Templo da Cidadania a convite do Kaxassa, cineasta e agitador cultural de Ribeirão Preto – gosta tanto do apelido que o incorporou ao nome, Fernando Kaxassa. Levando um lero com ele, com o cotovelo naquele balcão de madeira apreciando aquele chope da Colorado, o papo rolava solto. Entre as personalidades presentes naquela noite estava o doutor Sérgio Ferreira, cientista e professor da Universidade de São Paulo (USP).
Ele foi professor de Medicina de Sócrates, doutor Sérgio é hoje recconhecido internacionalmente, pois descobriu que no veneno da cobra jararaca havia um novo remédio para controlar a pressão arterial. Depois de derrotarmos alguns chopes, meu querido amigo cientista se aproximou e, como sempre, veio falar sobre o Sócrates.
Com orgulho comentava que o Magrão foi seu aluno mais brilhante, disse ele que ele viajava muito com o Botafogo e perdia muitas aulas em comum acordo com alunos de classe, que o tinham como ídolo. Mudavam as datas das provas para que nosso craque não fosse prejudicado. Chegava de viagem, dava uma lida rápida nas matérias e sempre tirava notas melhores que os outros, que rachavam de estudar.
Entre um chope e outro, doutor Sérgio disse que se Sócrates, ao invés de optar pelo futebol, abraçasse a medicina teria sido um dos maiores cientistas do mundo. Daí até fiz uma brincadeira: “Pois é, Serjão – assim o tratamos na intimidade –, o cientista só mudou de lugar, foi para os campos do mundo levar toda a essência do futebol, o mundo teve a oportunidade de ver um cientista da bola. Para ele, o resultado do jogo era o menos interessante, o importante era o espetáculo. Quando ele saía de campo com a certeza de havia sido um grande jogo, sentia-se realizado.”
Por falar em cientista, o brasileiro Paulo Teixeira, ligado ao governo federal, convidou um grupo de cientistas americanos e europeus para uma expedição que fizeram muitos anos atrás, ou seja, descer um rio do pantanal visitando ribeirinhos e pesquisando tudo. Os estrangeiros queriam saber da possibilidade de convidarem Sócrates para esta parada e, depois de muita insistência, Magrão topou, desde que no navio tivesse muita cerveja. Bases acertadas, lá foram eles, levando também o Kaxassa.
Disse Kaxassa que a cozinheira Tereza, que era superfã de Sócrates, não sabia o que fazer para agradá-lo e lhe cobria de mimos. Também não sabe explicar como toda população ribeirinha já sabia que naquela embarcação estava o Doutor Sócrates. Logo na primeira parada, num pequeno vilarejo, alguém encaminhou até ele um caboclo com um enorme facão na mão. O cabra tinha fama de matador e foi dizendo a Sócrates que a mulher dele não andava, tinha dores terríveis no joelho, uma das especialidades do Doutor.
O matador queria que ele a atendesse, mas não queria que colocasse a mão na perna da sua mulher. Sócrates deu uma recuada e disse: “Eu sou médico, só quero poder ajudar”. Aí o cara respondeu: “Doutor o senhor pode, mas só o senhor que foi capitão da mais linda seleção que vi jogar.” Sócrates apalpou seus joelhos, o homem só de butuca, depois mexeu aqui, mexeu ali e pediu pra ver os remédios que ela estava tomando. Na hora ele jogou todos no rio e disse: “Tá tudo errado”. Em seguida prescreveu o que ela deveria tomar.
O navio seguiu rio abaixo e as histórias pipocavam uma atrás da outra, os cientistas mal acreditavam que estavam ali com Sócrates. Kaxassa disse que uma sueca parecia ver miragens. A cozinheira do navio aceitou o convite de Sócrates e Kaxassa para conhecer Ribeirão Preto e também sair no bloco de carnaval Berro, e assim pode rever os amigos que fez na expedição.
Sócrates perguntou sobre o caboclo e sua mulher medicada, ela disse que como um milagre a dona foi curada e até estava pescando com o marido, e que agradece a Deus sua passagem por lá. Kaxassa, quando lembra de tudo isso, sempre repete: “Buenão, o Magrão era um bruxo, amigo...”
* Cantor e compositor

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Propriedades da banana

Nunca coloque banana na geladeira! 

 
Isso é interessante. 
Depois de ler isto, você nunca vai olhar para uma banana da mesma maneira novamente.
A banana contém três açúcares naturais - sacarose, frutose e glicose, combinados com fibra. A banana dá uma instantânea e substancial elevação da energia.

Pesquisas provam que apenas duas bananas fornecem energia suficiente para um treino de 90 minutos extenuantes. Não é à toa que a banana é a fruta número um dos maiores atletas do mundo.

Mas energia não é a única forma de uma banana poder nos ajudar a manter a forma. Pode também nos ajudar a curar ou prevenir um grande número de doenças. Tornando-se uma obrigação adicionar a banana à nossa dieta diária.

Depressão: De acordo com recente pesquisa realizada pela MIND, entre pessoas que sofrem de depressão, as pessoas se sentiam melhores após ter comido uma banana. Isto porque a banana contém triptofano, um tipo de proteína que o corpo converte em seratonina, reconhecida por relaxar, melhorar o seu humor e, geralmente, fazem você se sentir mais feliz.

TPM Esqueça as pílulas - coma uma banana. A vitamina B6 regula os níveis de glicose no sangue, que podem afetar seu humor.

Anemia: contendo muito ferro, bananas estimulam a produção de hemoglobina no sangue e ajudam nos casos de anemia.

Pressão Arterial: Este fruto tropical é muito rico em potássio, mas reduzido em sódio, tornando-a perfeita para combater a pressão alta. Tanto é assim, que a Food and Drug Administration nos Estados Unidos, permitiu que a indústria da banana oficialmente informasse ao publico, que ao comer essa fruta, ela poderá reduzir o risco de pressão alta e infarto.
Cérebro: 200 estudantes da escola Twickenham na Inglaterra tiveram ajuda nos exames este ano, comendo bananas no café da manhã, lanche e almoço em uma tentativa de elevar sua capacidade mental. A pesquisa mostrou que o elevado teor de potássio na banana, pode ajudar a aprendizagem, tornando os alunos mais alertas.
Constipação: com elevado teor de fibra, incluir bananas na dieta pode ajudar a normalizar as funções intestinais, ajudando a superar o problema sem recorrer a laxantes.

Ressaca: uma das formas mais rápidas de curar uma ressaca é fazer uma vitamina de banana, adoçado com mel. A banana acalma o estômago e, com a ajuda do mel aumenta os níveis de açúcar no sangue, enquanto o leite suaviza e reidrata o sistema.

Azia: elas têm efeito antiácido natural no organismo, por isso, se você sofre de azia, experimente comer uma banana para aliviar.
Enjôo matinal: comer uma banana entre as refeições ajuda a manter os níveis de açúcar no sangue elevado e evita as náuseas.

Picadas de mosquito: antes do creme para picada de inseto, experimente esfregar a zona afetada com a parte interna da casca da banana. Muitas pessoas acham excelentes para reduzir o inchaço e a irritação.

Nervos: Bananas são ricas em vitaminas do complexo B que ajuda a acalmar o sistema nervoso.

Excesso de peso e no trabalho? Estudos do Instituto de Psicologia na Áustria mostram que a pressão no trabalho leva à excessiva ingestão de alimentos como chocolate e biscoitos. Estudando 5000 pacientes em hospitais, pesquisadores concluíram que os mais obesos eram os que mais sofriam de pressão alta e ataques de ansiedade. O relatório desse estudo, concluiu que: para evitar que comamos biscoitos e doces quando estamos ansiosos, então é necessário que se coma alimentos ricos em carboidratos a cada duas horas para manter níveis estáveis de açúcar no sangue, e é aí que entra a nossa querida banana.
Úlceras: A banana é usada na dieta diária contra desordens intestinais pela sua textura macia e suavidade. É a única fruta crua que pode ser comida sem desgaste em casos de úlcera crônica. Também neutraliza a acidez e reduz a irritação, protegendo as paredes do estômago.

Controle de temperatura: Muitas culturas vêem a banana como fruta 'refrescante', que pode reduzir tanto a temperatura física como emocional de mulheres grávidas. Na Tailândia, por exemplo, as grávidas comem bananas para os bebês nascerem com temperatura baixa.

 
Seasonal Affective Disorder (SAD): a banana auxilia os que sofrem SAD, porque contêm a vitamina B6 e Triptofano, que nos acalma e nos faz ficar bem humorados.

Fumar e Uso do Tabaco: As bananas podem ajudar as pessoas que tentam deixar de fumar. Vitaminas - A, B6 e B12, assim como o potássio e magnésio, ajudam o corpo a recuperar dos efeitos da retirada da nicotina.

Stress: O potássio é um mineral vital, que ajuda a normalizar os batimentos cardíacos, levando oxigênio ao cérebro e regula o equilíbrio de água no corpo. Quando estamos estressados, nossa taxa metabólica se eleva, reduzindo os níveis de potássio que podem ser reequilibrado com a ajuda da banana, que é rica em potássio.

Enfarto: de acordo com pesquisa publicado no New England Journal of Medicine, comer bananas como parte de uma dieta regular, pode reduzir o risco de morte por enfarto em até 40%!

Verrugas: os interessados ​​em alternativas naturais juram que se quiser eliminar verrugas, pegar um pedaço de casca de banana e colocá-lo sobre a verruga, com o lado amarelo para fora. Segure cuidadosamente a casca no local com esparadrapo!

Assim, a banana é um remédio natural para muitos males. Quando você compará-lo com uma maçã, tem quatro vezes mais proteínas, duas vezes mais carboidratos, três vezes mais fósforo, cinco vezes mais vitamina A e ferro e o dobro das outras vitaminas e minerais. Também é rica em potássio e é um dos alimentos mais valiosos para nossa saúde. Então talvez seja hora de mudar essa frase em inglês, tão conhecida: 1 apple a day, keep the doctor away, e que nós traduzindo deveríamos usar: "Uma banana por dia mantém o doutor sem freguesia!"

PASSE PARA OS AMIGOS 
PS: Bananas devem ser a razão pela qual os macacos são tão felizes o tempo todo! Vou acrescentar uma dica aqui; quer um brilho rápido nos sapatos? Pegue a parte de DENTRO da casca da banana e esfregue diretamente sobre o sapato... Passe após, um pano seco. Fica incrível!

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Fio de bigode

Bueno *
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Guardo muitas coisas do meu tempo de menino que valem a pena serem lembradas, como por exemplo, o título de minha crônica de hoje: “Fio de bigode”. Houve um tempo em que não existia garantia maior do que esta, muitas vezes vi meu velho pai repetir esta pequena frase quando se referia a uma negociação, seja ela qual fosse. Em sua simplicidade, dizia ele bem assim: “Olha aqui caboclo, to dando de garantia um fio do meu bigode”. E fazia de conta que tirava um fiapo de seu cerrado bigode. E nem precisava porque preservar o nome era o que se tinha de mais sagrado naquela época, era tipo código de honra.
Hoje, eu aqui do alto dos meus 66 anos e já batendo na porta dos 67, pois dia 18 de outubro está a pouco mais de um mês, outra vez revisito o fundinho da gaveta da minha memória para assim falar de Rosemiro Bueno, o velho Roi, meu pai. Quando ele fez 50, eu o olhava sentado em sua confortável poltrona e o via pitando seu cheiroso cigarro de palha. Dizia que o fumo era goiano legítimo. Também tinha a mania de fazer três coisas ao mesmo tempo, como ouvir seu velho radinho de pilhas e ler seu jornal com a TV ligada.
Daí eu pensava: “Poxa!!! Meu pai está velho...” Ele viveu mais alguns anos e nos deixou antes de fazer 60, e eu hoje com quase 67 ainda tomo banho sozinho (rsrsrsrsr), dobro as pernas nos joelhos para lavar os pés, não dou mole pra minha pressão, sempre a controlando, tomo minha deliciosa cervejinha, canto, componho, escrevo, caminho quase que diariamente cinco quilômetros e sigo o conselho de Zeca Pagodinho... Deixo a vida me levar.
Meu velho se aposentou precocemente, a terrível doença de Chagas que inchava seu coração o levou. Dizia ele que quando menino morava na roça, na região de Altinópolis, sua casa era de pau-a-pique e o bicho barbeiro, transmissor da doença, fazia pequenos buracos na parede para se proteger. Meu pai e outros meninos colocavam seus dedinhos para que os barbeiros picassem, dizia ele que fazia cócegas, essa brincadeira de criança custou-lhe a vida.
Nós morávamos ali na rua Santo Amaro nº 332, na Vila Amélia, que chamo de “Grande Vila Tibério”. Meu pai era maquinista da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro, que ocupava todo espaço desde a rua Luiz da Cunha até a Câmara Municipal. Onde hoje é o Parque Maurílio Biagi havia um enorme barracão em forma de mini Maracanã onde as máquinas entravam, além de um equipamento monstruoso que as virava em sentido oposto para que engatassem do outro lado da composição. Onde está a estação rodoviária, o Pronto Socorro Central e a Praça Schimit era toda extensão da linda da estação ferroviária.
Como filho homem mais velho, com 12 anos já tinha minhas responsabilidades. Carne em casa era só aos domingos, e era eu quem ia até o açougue comprar um quilo de paleta. Voltando pra casa, tirava uma lasquinha, passava sal e colocava na chapa do fogão a lenha e me deliciava com aquele pedacinho. Também era eu quem ia ver a escala do meu pai lá na Mogiana, a entrada de funcionários era pela rua Elpidio Gomes (rua passa atrás do Parque Maurílio Biagi), havia uma guarita bem ali onde nasce a rua Aurora, às vezes ficava naquele alto vendo as viradas das máquinas.
Meu pai tinha outras tiradas que levo comigo, como quando via uma criança fazendo alguma arte logo dizia, sacrificando a língua portuguesa: “É de pequeno que se troce (torce) o pepino”. Do meu velho pai levo muitos ensinamentos e os passei para meus filhos e netos, tomara que sigam esses exemplos. Honrar seus pais e amar seus irmãos é obrigação, mas que continuem dando como garantia o fio do bigode.

* Cantor e compositor

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Nossos músicos

Bueno *
buenocantor@terra.com.br
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Aos domingos, tipo ás oito da manhã, ligo meu velho rádio para ouvir meu querido amigo Abel Santos na rádio Clube AM. Ali a hora passa e eu nem me dou conta, pois sei que estou em companhia de boa música e música alimenta a alma. Enquanto isso cuido dos meus e-mails e também dou meu passeio pelo Faceboock.
Abel, com sua bonita voz e aquele bom humor cativante, vai alegrando o meu dia. Ele fala do nosso Corinthians, canta, declama, nos conforta com mensagens de otimismo, manda abraços para uma legião de amigos que só um ser humano de um coração tão puro como o dele consegue agregar.
Alguns domingos atrás ele tocou um bolero cantado por Anísio Silva, também de belíssima voz. Fiquei em silêncio ouvindo a música e transportei-me ao meu tempo de garoto, quando o que mais se ouvia no rádio era ele, além de Francisco Petrônio, Angela Maria, Caubi Peixoto, Roberto Carlos e outros grandes nomes.
Nesse passeio pelo meu passado, lembrei-me de alguns músicos aqui de Ribeirão Preto que muito lutaram e continuam lutando pra conseguir um lugar no cenário musical brasileiro, e de como certos cantores são descobertos até que meio que por acaso, como é o caso do Anísio Silva. Era balconista em uma farmácia em São Paulo e trabalhava o dia todo cantando. Um belo dia, um cliente que sempre o ouvia soltar a voz o orientou a mudar-se para o Rio de Janeiro, onde o point dos artistas era o famoso Café Nice, bem ali na zona boemia.
Seu estilo cairia como uma luva e não deu outra, Anisio Silva foi para o Rio e arrasou, tudo que ele gravou fez sucesso, como, por exemplo, “Alguém me disse”, “Quero beijar-te as mãos” e outras mais. Francisco Petrônio é outro cantor que foi descoberto assim meio sem querer. Eu costumo usar um velho ditado de que nada acontece por acaso.
Ele era taxista e também vivia cantando para seus passageiros, sua voz linda e aveludada só fazia bem aos ouvidos de quem tinha a sorte de entrar em seu táxi. Certa noite, um “anjo” lhe solicitou uma corrida. Era o cantor Nerino Silva, que se encantou com a voz dele, levou-o para um teste na extinta TV Tupi com Cassiano Gabus Mendes, que o contratou na hora. Seu maior sucesso foi “Baile da saudade”. Petrônio nos deixou em 2007, aos 83 anos.
Voltando aos cantores de Ribeirão Preto que batalham, digo que meu querido amigo Celso Miguel, dono de uma das vozes mais lindas que já ouvi, está em Sampa faz muitos anos, mas infelizmente não teve aquela mão no ombro de que tanto falo, tipo “agora é a sua vez”. Ele é queridíssimo na capital, Celso continua por lá fazendo aquilo que Deus lhe deu o privilégio de fazer, “cantar”.
O nosso Kiko Zambianki continua por lá, depois de grande sucesso com sua genial composição “Rolam as pedras” e a versão de “Hey Jude”, dos Beatles. Hoje ele faz shows e se dedica a trilhas de filmes. Recentemente, uma safra de artistas aqui da terrinha começaram a arrasar pelo nosso Brasil, começando pelo Sambô, que organizava por aqui uma linda roda de samba.
Os caras do Sambô foram a Sampa cantar na festa de um jogador de futebol e agradaram tanto que a coisa acabou virando um rolo compressor. Num desses eventos, um esperto empresário entrou na área, emplacou uma música do grupo em novela e daí em diante começaram a colher os frutos.
A banda Oba Oba Samba House, com Luciano Tiso no comando, foi chamada pra cantar no navio do Roberto Carlos, o empresário do rei gostou e o grupo virou sucesso, também com direito a música em novela. Parece que depois de muita luta chegou a vez da banda Rod Hanna. Estão na abertura da novela “Boogie Oogie” e tenho certeza de que vai estourar, pois são os melhores neste seguimento. São nossos artistas de Ribeirão Preto para o mundo.


* Cantor e compositor

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Dr. Siqueira, o delegado corintiano

Bueno *
Se tem um delegado de Polícia Civil pra quem eu tiro meu chapéu, este é o doutor Sérgio Siqueira. Com ele bandido não tinha moleza, não, amigo, era tratado como bandido mesmo. Dr. Siqueira é meu querido amigo de longa data, época em que ainda era subtenente da Polícia Militar e eu policial rodoviário. Ele estava prestando concurso para delegado e quando passou, falei para meus companheiros: “Perdemos um senhor policial e a Polícia Civil saí ganhando de goleada, pois terá em suas fileiras um delegado com uma bagagem que poucos têm”.
Naquele tempo, Siqueira já era temido pelos bandidos da cidade e pelos motoqueiros que arriscavam a vida `nas tardes dos domingos em “rachas” na avenida Presidente Castelo Branco. Quando ele chegava no pedaço com sua equipe era uma esparramada geral, uma correria até bonita de se ver, mas alguns “manés” sempre caíam na rede e pagavam pelos outros que fugiam.
Eu adoro usar chapéu e o responsável por incorporá-lo na minha indumentária é justamente o Dr. Siqueira, isso porque, certo dia, apresentei meu programa de TV “Canta Ribeirão” com um chapéu “panamá”, era uma homenagem ao sambista carioca João Nogueira. Ele assistiu e quando a gente se cruzou num domingo, no Clube de Regatas, ele me disse: “Buenão, você ficou muito bem de chapéu na TV, use sempre e assim você vai consolidar uma marca toda sua”. Ele tinha razão, hoje tenho muitos chapéus e até agradeço ao querido amigo.
Nos campeonatos de futebol lá no Regatas, Dr. Siqueira é um zagueiro de respeito, daqueles que chegam junto e não dão mole pra atacante nenhum. Mas bamba mesmo ele é numa mesa de bilhar, é sempre campeão, quando há torneio é comum vê-lo caminhando pelo clube com um estojo em que guarda a sete chaves seu taco mágico.
Cantei por 16 anos no restaurante Ponto Chic e Dr. Siqueira e esposa sempre me prestigiavam, eu até sabia de suas preferências musicais e as cantava com prazer. É grande fã de Benito di Paula e, empolgado, às vezes até subia no palco, passava a mão num tamborim e não deixava a peteca cair, o samba de seu ídolo ficava redondinho.
Ali, numa noite batendo papo em sua mesa, ele revelou me ser corintiano. Só dava entrevista para uma emissoras de TV se o distintivo do Corinthians aparecesse ao fundo, mas por um descuido seu, um de seus filhos bateu asas para os lados do Mo­rumbi.
Meu irmão Rubão e seus filhos Daniel e Vitor são são-pau­linos de carteirinha, e quis o destino que sua filha Camila e Francelso, filho do Dr. Siqueira, juntassem as alianças. Foram morar pertinho de meu mano. Quando ela engravidou e descobriram que seria menino, Rubão recebeu a visita de Siqueira, que feliz da vida fora lhe propor um acordo. Disse ele: “Rubão, vamos fazer o seguinte, vocês escolhem o nome, façam o que quiser, mas o time eu e Francelso escolhemos, fechado????” Rubão topou e também muito feliz bateu o martelo.
O garoto nasceu e no quarto dele havia tudo que lembrava o Corinthians: berço, cuequinha, blusinha, bandeira na parede... Na porta estava escrito: “Aqui mora um corintiano”. O menino foi crescendo, convivia nas duas casas, duas torcidas inimigas, meus sobrinhos tentando fazer a cabecinha do garoto para ele virar casaca... Por azar, o São Paulo entrou naquela fase de ganhar tudo, alguns coleguinhas de classe mudando de time e o pequeno falou para seu pai que viraria são-paulino. Francelso, muito nervoso, foi até a casa de meu irmão Rubão e sobrinhos lembrá-los do acordo.
Tudo acertado, o garoto hoje está com a cabeça feita e a nação corintiana pode contar pra sempre com mais um no seu bando de loucos. Dr Siqueira, um baita abraço, sinto orgulho de ser seu amigo.
* Cantor e compositor

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Faz nove anos

Bueno *
O tempo, tempo que, às vezes, parece uma eternidade e, em outras, apenas alguns minutos, parece que voa aqui na terra, tanto que no dia 17 de agosto de 2014, domingo próximo, este tempo será de nove anos sem meu amado filho Lucas Bueno.
Já escrevi crônicas aqui e, ao botar no papel, emocionei-me. Desta vez vou tentar não chegar a tanto, até porque, notícias que recebo e que vêm do outro lado da vida, dão conta de que Lucas está superbem, ele faz parte da equipe de jovens que o socorreram no acidente daquela manhã, na estrada que liga Ribeirão Preto a São Carlos, meu filho foi o último a integrar a equipe.
Hoje, onde acontece acidentes em que jovens vêm a falecer, lá está ele com seus amigos levando esclarecimento para suas chegadas em outro plano. Muita gente não acredita, mas eu não tenho nenhuma dúvida.
Muitas vezes me peguei analisando atitudes dele antes de sua partida e hoje até acho graça, como o dia em que parou em frente à nossa casa e, quando abriu a porta, vi a chave de roda do lado do seu banco. Perguntei: “Lucas, o que esta chave está fazendo aí, meu filho? O lugar dela é junto ao estepe.” E ele, mudando seu humor, disse: “Ô, pai, deixa pra lá”.
Quando ele saiu de perto, sua namorada me falou, quase em murmúrio, que ele tinha a mania de parar o carro de repente e reapertar as rodas. Isto me deixava encucado e hoje até acho graça. Divirto-me muito ao lembrar de nossas brigas musicais, que me deixavam com a cuca fervendo às vésperas de algum show, em que sempre cantava um grande nome da nossa MPB.
Agendava as apresentações com três meses de antecedência, Lucas me auxiliava a escolher o repertório, depois num CD gravava música por música seguindo a sequência do show e entregava uma cópia para cada músico, junto com o a relação que ele batia e xerocava.
Marcamos um show para o Bar do Val, “Bueno canta Chico Buarque”. Os dias passavam, em casa eu observava Lucas que parecia não se preocupar em “tirar” as músicas, e como sei que as harmonias das músicas do Chico são supercom­plicadas, fui falar com ele, que não aceitou minha cobrança.
Armamos um barraco daqueles de pai e filho, e no auge do bate-boca ele disse: “Arranje outro pianista, eu não vou tocar com você.” Na hora da raiva, emendei que também não o queria mais no palco. Quando a poeira baixou cai na real de que não teria tempo hábil para outro nomear um substituto. Minha primeira-dama tentava convencê-lo a recuar, e nada.
No dia seguinte, já bem humorado, ele perguntou se eu já tinha encontrado um novo pianista, pois ele tinha que passar-lhe as músicas. Daí joguei pra cima dele uma conversa cheia de “rasgação de seda”, tipo: “Olha, Lucas, até que encontrei, mas um pianista como você não existe, meu filho, o músico do show tem que ser você.”
Percebi que meu argumento mexeu com seu ego, daí ao xeque-mate foi um segundo, ele riu cheio de orgulho, pois também não queria ficar fora e na hora me disse: “Pai, vamos marcar o estúdio para os ensaios.” Só sei que este show foi um dos últimos na companhia dele, parece que alguém lá de cima me dizia: “Buenão, grave este show”. Foi o que fiz, não tenho dúvidas de que foi nosso melhor show, até Sócrates ficou empolgado, subiu no palco e cantou “A Rita”, de Chico Buarque.
Por estas e outras histórias contadas aqui, a vida segue e saudades surgem do nada apertando meu peito, porém, sei que tem que ser assim, também sei que ele está sempre por perto, olhando por mim.
Na semana passada, quase nove anos depois, me chega a notícia de que a rua dois do “Condomínio Colina do Golf” irá se chamar Rua Lucas Eduardo de Melo Bueno... Meu filho terá seu nome eternizado.

* Cantor e compositor

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Herói? Herói foi meu pai

Bueno *
Faz algum tempo, fui cantar na cidade de Barbacena, em Minas Gerais, bem longe da minha querida Ribeirão Preto, acho que quase 500 quilômetros. Era sábado, véspera do Dia dos Pais. Amanheceu, fomos até São João Del Rei, uma cidade pequena, linda e histórica onde uma tradição é mantida: de sua antiga estação ferroviária parte uma linda maria-fumaça, um trenzinho muito charmoso todo pintado com detalhes tradicionais e que por doze quilômetros vai sacolejando, apitando e tocando seu estridente sino, por entre montanhas e paisagens cinematográficas que encantam o mundo todo. E assim segue até Tiradentes.
Chegamos na estação de São João Del Rei, a imponente maria-fumaça estava parada esperando o horário da partida. Eu olhava atentamente ela funcionando, tipo fazendo aquecimento, de repente um arrepio transitou pelo meu corpo todo. Olhei para o maquinista, estava na pequena porta com seu terninho azul marinho e seu quepe na cabeça, tudo como antigamente. Pedi autorização para fazer umas fotos com ele dentro da velha máquina. Como todo bom mineiro, educadamente ele atendeu meu pedido, entrei naquele pequeno espaço, fiz as fotos, depois fechei os olhos e como que por encanto, viajei para um tempo que levarei em meu coração para sempre.
Era o tempo em que meu velho pai pilotava sua maria-fumaça, era maquinista da Estrada de Ferro Mogiana, ~bateu a sensação de vê-lo soltando o freio da velha máquina, puxando a alavanca e colocando-a em movimento. Assim via os trilhos surgindo metro por metro, até sumir no horizonte. Meu velho pai também tinha um quepe com emblema da companhia, vivia sempre com pequenos furos causados por fagulhas que saiam da chaminé da sua barulhenta amiga.
Minha amada e saudosa mãe, todas as vezes em que meu pai chegava das viagens, lavava suas roupas, que também vinham com alguns furinhos. Depois de secas, passava linha na agulha e caprichosamente fechava furo por furo.
Meu pai se chamava Rosemiro Bueno, mas tinha um apelido que ele gostava e eu também: Rói, assim era chamado por onde passava, nem sei de onde tiraram este apelido, eu pensava ser dos gibis que lia, tinha um cowboy de nome Roy Rogers, daí associava meu velho com o herói em quadrinhos.
O velho Rói começou como ajudante de maquinista. Era ele que, com seus braços fortes, alimentava as fornalhas  – na época o trem era a vapor, tocado a lenha que ficava empilhada logo atrás. Eu, menino, tinha a maior admiração por meu pai, me lembro de que tinha quatro anos de idade quando ele foi transferido para a cidade de Cajuru.
Morávamos na colônia da companhia e a linha férrea passava a poucos metros da nossa casa, em frente a uma enorme caixa d’água que abastecia todos os trens. Alçi eu brincava com meu irmão Rubens, que apelidei de “Du” por ter dificuldade de pronunciar seu nome. Na época, Du estava com dois aninhos, mostrava pra ele nosso pai comandando a heroica maria-fumaça, que fazia muito barulho e soltava fumaça por todos os lados, dizia eu, todo orgulhoso, ao meu pequeno irmão:
“Du, é nosso pai que está ali dentro, é ele que faz este enorme trem andar”, dizia. E lá ia o velho Roi se distanciando, nos olhando, e antes que a maria-fumaça sumisse numa curva ao longe, nosso pai acenava e abanava seu quepe, voltando dias depois. A velha máquina era lenta e qualquer distancia, por mais perto que fosse, o retorno era demorado.
A vida seguiu e vieram modernas locomotivas, mas deste conforto meu velho pai pouco desfrutou, ficou doente e nos deixou faz muito tempo, tempo que nem percebi, pois o sinto sempre por perto e sei que de onde ele está, torce por mim. Meu pai criou seis filhos honestos. Vejo na TV algumas pessoas serem rotuladas de herói, daí lembro-me do velho Rói e falo baixinho só pra mim: “Herói? Herói foi meu pai.”
* Cantor e compositor


sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Compadre Apolinário, saudades do amigo

Bueno *
Dia desses acordei, fiz minhas orações e de repente veio em minha mente a imagem do meu querido amigo Eurípedes Apolinário, radialista, apresentador de TV e responsável pelo sucesso de inúmeras duplas sertanejas. Mas, como diz outro querido amigo, Rolando Boldrin, Compadre Apolinário viajou antes do combinado, em 2 de maio passado fez dois anos que ele nos deixou. Sempre digo que Deus tem sido muito bom pra mim colocando em meu caminho pessoas maravilhosas e de coração puro, e Apolinário foi um deles.
Eu era guarda rodoviário, ele sempre parava comigo nas es­tradas e a gente batia aquele papo, sempre sobre música que é uma das minhas paixões. Num domingo, lembro-me bem, ele e sua caravana de artistas sertanejos regionais voltavam de um show na cidade de Pitangueiras e pararam na base da Polí­cia Rodoviária de Sertãozinho para uma água. Por acaso lá estava eu trabalhando.
Neste dia conheci os Irmãos Moreno, que durante a semana eram pedreiros, mas aos sábados e domingos aquelas mãos calejadas pelo árduo trabalho de amassar reboque carinhosamente abraçavam suas violas, e com perfeitas duas vozes, cantavam por aí o melhor de Tião Carreiro & Pardinho. Junto deles também estava André Bueno, um menino ainda de apenas nove anos de idade e que já tocava violão e acordeom e também cantava. Hoje um vitorioso empresário com seu maravilhoso estúdio, André fala de Apolinário com carinho e saudades também.
Apolinário tinha um programa na Rádio 79 que chamava “Afinando a Viola”. A audiência era tamanha que, naquela época, qualquer dupla, se quisesse alcançar sucesso, tinha que passar pelas mãos deste protetor e promotor de artistas. Com ele não tinha esse negócio do famigreado “jabá”, não, que é o responsável pelo sumiço de músicas de qualidade, tanto na área sertaneja quanto na MPB.
Nos dias de hoje, dois sujeitos lá de Goiás se juntam, gravam um CD, vestem uma roupa de grife, alguém banca, lotam um caminhão de dinheiro e despejam nas rádios, que tocam suas músicas dia e noite, fazendo assim a maior lavagem cerebral que já ouvi. Daí nossos jovens entram na onda e acontece de mais um lixo musical sufocar mais ainda a boa música.
Ao lado de um grande homem sempre está uma grande mulher e ele tinha esta mulher, Lina Dornela, que estava com ele pro que der e vier. Tiveram um filho, Thiago, hoje médico psiquiatra formado pela Universidade de Sâo Paulo (USP). Lembro-me bem do dia em que Thiago passou no vestibular, a alegria do radialista era tanta que contagiou a todos da Radio 79 e da TV Thathi, onde eu também tinha um programa, o“Canta Ribeirão”.
Apolinário também apresentava um programa na TV Re­cord de Franca e convidou-me pra cantar. Lá fui eu cantar “Pin­go D’água”, gravação de Tonico & Tinoco. Nesta noite che­gou também pra cantar uma jovem e desconhecida dupla de Brotas, era a primeira apresentação deles na TV, começava ali a carreira de João Paulo & Daniel. Mais uma vez, tinha que ser pelas mãos de Compadre Apolinário, que já havia alavancado as carreiras de Chitãozinho & Chororó – até hoje, em seus shows, fazem agradecimento ao velho apresentador –e de Leandro & Leonardo.
Fui visitá-lo numa tarde na Rádio 79 e o apanhei dando enorme risada. Estava com um LP de Milionário & José Rico nas mãos e ao me ver, disse: “Buenão, veja só a rima que o Zé Rico me arrumou... Quando acordei não te vi, que ‘desespeiro’, minhas lágrimas molharam a fronha do meu travesseiro”. Aí Zé Rico escorregou no português. Ri um bocado com ele, este “desespeiro” era a razão de seu riso. Foi sua criação também a Orquestra de Viola Caipira Mistura Boa, aqui em Ribeirão Preto, com o violeiro Augusto na batuta. É como disse o poeta: “O nome a obra imortaliza”. Meu querido amigo Eurípedes Apolinário, você deixou marcas...

* Cantor e compositor

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Almeirão com limão cravo

Bueno *
Vila Tibério, fui menino ali, poxa !!! Já vai longe esse tempo. Dia desses acordei meio que saudosista, daí comecei a rir feito uma criança quando faz uma arte e ninguém descobre o autor. Nessa onda abri a gaveta de minha memória, dei uma remexida bem lá no fundo e, de repente, me vi mais de 50 anos atrás, quando morava na rua Santo Amaro, na pequena Vila Amélia, que sempre digo pertencer à grande Vila Tibério.
Tudo que fazíamos era na famosa vila. Missa no Santuário Nossa Senhora do Rosário, cuja praça em sua frente chama-se Coração de Maria, praça esta que nas noites de sábado lotava de jovens. O lance era o seguinte: os homens ficavam parados e a moças rodavam por aqueles corredores ouvindo galanteios sem fim. Ali vi amigos iniciarem namoros, outros dando um fim.
Atrás da igreja rolava uma quermesse que era superfamosa na época, com seus correios elegantes e tudo mais. Aos domingos à noite o programa era o Cine Marrocos com suas filas homéricas, hoje ali é um banco. Poxa, o tempo voou.
Cheguei ali na velha rua Santo Amaro com onze anos de idade e saí com 22 para desbravar o Jardim Independência. Digo desbravar porque ninguém queria morar lá, era muito longe. Lá ainda moram um dos meus irmãos e três irmãs. Voltando ao “eu menino”, entre travessuras e coisas sérias acho que tive uma infância e uma juventude show de bola. Muito cedo meu velho pai conseguiu meu primeiro emprego, já com onze anos lá estava eu em uma oficina de bicicleta, onde aprendi todos os segredos da nossa famosa “magrela”.
Nesse tempo, eu amante do futebol e sem grana, quando o Botafogo jogava no Estádio Luiz Pereira, às quartas-feiras, lá ia eu com alguns amigos encarar o exercício de pular o muro, sempre pelos fundos. Esperávamos o time atacar e a torcida fazer aquele barulhão, daí o vigia corria até o alambrado para ver a jogada e era nesse momento que a gente pulava aquele alto muro. Num instante, como um corisco, estávamos na arquibancada, coisas de um tempo que adorei ter vivido.
Bateu saudades também do campo da Guanabara, que ficava pouco abaixo de casa. Lá vi grandes craques dando show. Nos finais de ano, os adultos organizavam uma disputa de solteiros contra casados e nós, moleques, armávamos um jogo de preto contra branco, era um tempo de pureza e ninguém pensava nesse tal de racismo tão em moda hoje, isso passava longe...
Nessa mesma época, via meu pai e minha mãe devorando uma travessa de alface ou almeirão – eu não comia nem a pau e só ficava imaginando os dois comendo mato. Numa de minhas férias escolares, era mês de julho, fui passar alguns dias na casa de minha tia e madrinha Cezira, na cidade de Casa Branca. Numa tarde, meu primo, da minha idade, inventou de passarmos a noite no sitio de seus tios próximo à cidade. Fui na maior alegria imaginando as surpresas da roça. Já no sitio, dei uma geral e vi que não tinha luz, era lamparina, e meu banho foi numa bica d’água que vinha de uma mina supergelada.
Eu, morrendo de fome, imaginava que no jantar viria um delicioso frango ou quem sabe uma leitoa assada. Nem bem sentamos e a tia de meu primo colocou na mesa arroz, feijão e de mistura... salada de almeirão temperada com limão cravo. Olhei, pensei um monte de coisas, mas senti que não poderia pipocar e mandei ver um prato daqueles de moleque. Resultado, me sai bem...Virei um devorador de saladas.
Hoje, aos domingos, quando vou à feira da Vila Tibério, na minha sacola não pode faltar o cheiroso e saboroso limão cravo, e por mais que tente não consigo dar à minha salada o mesmo sabor que senti naquela noite no sitio. Até hoje sinto na boca aquele sabor de almeirão com limão cravo.

* Cantor e compositor

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Tá faltando talento

Bueno *

Há alguns dias recebi um e-mail do meu querido e grande amigo Cleto, talentoso publicitário que também se aventura nas cordas de um cavaquinho. No tempo em que eu cantava no Restaurante Ponto Chic, ali na avenida Antonio e Helena Zerrener, na esquina com a rua Amapá, Cleto, frequentador assíduo, armava enorme mesa com amigos e famílias.
Eles jantavam, tomavam aquela cerveja no ponto e quando sentia-se no clima, Cleto retirava do estojo seu cavaquinho – dizia ter sido feito a mão por um artesão carioca. O apelido do instrumento era “Carioquinha”, é menor que os tradicionais, mas seu som era de se admirar.
Cleto se acomodava num canto do palco, abraçava seu pequenino parceiro, olhava pra mim e dizia: “Buenão, me dá um dó maior.”  Em seguida atacava com sua música preferida, “Carinhoso”, de Pixinguinha, com letra de João de Barro, o “Braguinha”. Eu o acompanhava com meu violão e meu parceiro Gercinho na timba.
Esta música foi escolhida como a canção do século, concorrendo com grandes clássicos brasileiros, ela ganhou de goleada. Pixinguinha a compôs em 1917 e sempre a tocava em suas apresentações. Por onde fazia shows, Braguinha, que na época era um jovem advogado, ia prestigiar e ouvir a música que tanto adorava, até que em 1931 pediu autorização ao músico para colocar letra em “Carinhoso”, que até então não tinha. Assim nasceu este clássico brasileiro.
Pois bem, no e-mail que Cleto me enviou, colocou toda sua indignação porque uma agência de publicidade deste nosso país usou sua música preferida para divulgar certa marca de carro, mudaram a letra enaltecendo a marca do veículo. Meu missivista até achou que os caras tiveram uma sacada legal, só não aprovou o fato de que mutilaram um clássico brasileiro, a letra da música.
Cleto foi até mais fundo dizendo que certas músicas brasileiras, como esta em apreço, deveriam ser tombadas como forma de proteção e que a canção “Carinhoso”, cuja letra é uma obra-prima, não poderia sofrer alteração, nem que fosse para uma situação como esta, que é apenas temporária. Disse ainda que os autores desta mutilação, aproveitando este oba-oba da Copa do Mundo em que tal propaganda foi veiculada, prestaram um desserviço ao Brasil, pois nossas crianças aprenderiam a música errada.
Finalizou dizendo: “Buenão, imagine você acordar numa bela manhã e, passeando pelo Centro da cidade, batesse de cara com nosso Theatro Pedro II com a fachada totalmente modificada por uma arquitetura linda, moderna, mas apagando todo seu passado histórico”.
Pois é, querido amigo Cleto, coloquei seu desabafo no papel e até concordo contigo, fico imaginando quem da família Bra­guinha autorizou esta mexida na letra, torço para que não aconteça mais com outras músicas históricas.
A história que contei de como “Carinhoso” foi composta vem esclarecer para muitos que não fazem ideia de como acontecem certas parcerias, e é por isso que em todos os encartes de antigos LPs e CDs o nome de quem faz a música vem sempre antes de quem faz a letra, como, por exemplo, “Detalhes”, de Roberto e Erasmo Carlos, “O bêbado e a equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc, “Sentimental demais”, de Evaldo Gouveia e Jair Amorim. A música nunca pode ser modificada, mas a letra sim, e assim segue o jogo...


* Cantor e compositor

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Por favor, cante ‘Honda’

Bueno *

Nesta minha crônica, vou dar umas pinceladas sobre as pérolas que, via garçons, chegam às mão dos cantores da noite. São pedidos de músicas de clientes, e muitas vezes o cara não sabe o nome da canção, escreve apenas pedaços da letra e às vezes o intérprete tem que ser adivinho.
Chegam em papéis de comanda, em guardanapos e até em bolachas de chope. Veja o titulo acima – “Por favor, cante ‘Honda’”. Na verdade, o cara quis dizer “Ronda”, e quem recebeu o aviso foi meu querido amigo Paulinho Brasília, um dos maiores cantores do Brasil. Ele também é compositor de gosto refinado, tenho um CD dele que não empresto pra ninguém porque não volta, sempre o revisito, sua obra é genial.
Neste bilhete o cara pedia a Paulinho para cantar uma das músicas mais requisitadas na noite, perdi a conta de quantas vezes a cantei, seu autor é o saudoso Paulo Vanzolini, cientista da USP, boêmio, compositor que não sabia nem tocar violão. Fazia as músicas trabalhando ou tomando cerveja, e quem as harmonizava era o também saudoso Adauto Santos, cantor das noites paulistanas.
Outra música que chegou em bilhete para Paulinho foi “Chão de gesso”, na verdade o solicitante quis dizer “Chão de giz”, de Zé Ramalho, essa até que dá pra associar, porque imagino ser do gesso que se tira o giz (rsrsrsr). Outra: “Por favor, cante um sambinha do Belchior”. Paulinho riu e até disse: “Belchior não canta nenhum samba, nem sambinha.”
Certa noite, o garçom sobe ao palco e entrega para Paulinho um guardanapo com um pedido que ele considera a campeã das pérolas: “Por favor, cante ‘No mandiocal’.” Paulinho pensou ser uma música sertaneja, e como nada canta dessa praia, segurou a onda. Passado algum tempo veio o mesmo pedido, Paulinho ignorou e o cara, inconformado, mandou outra vez: “Cante ‘No mandiocal’.”
Daí Paulinho passou a mão no microfone e perguntou de quem era o tal pedido. O cara se levantou, foi até o palco e nosso cantor, gentilmente, perguntou que música era essa que ele nunca tinha ouvido falar. O cara respondeu: “Mas como, Paulinho?!?! Você sempre a canta aqui.” Paulinho, indignado, disse: “Não pode ser, amigo, cante só um pedacinho, vou ver se identifico.” E o cara mandou ver: “No, no mandiocal.”
Paulinho teve um acesso de riso incontrolável, o sujeito não sacou o porquê, nosso artista precisou pedir intervalo até se recompor. Depois voltou ao palco e cantou “No woman no cray”, de Bob Marley, que Gilberto Gil canta em português –“Não, não chores mais”. Paulinho, meu amigo, você tem razão, essa é gol de placa.
Outra do Paulinho. O garçom lhe entrega um guardanapo com outro pedido musical, para cantar “Ao sair do avião”, de Djavan. Nosso cantor quase caiu do seu famoso banquinho lá do Bar Mania, riu um pouco e depois disse ao microfone: “Olha, esta música chama-se somente ‘Açaí’.” Na verdade, a cliente decorou um pedaço da letra e a adotou como se fosse seu nome, porque o refrão da música diz “açaí, guardiã”, e a moça entendia “ao sair, do avião...”
Essa quem me contou foi Beto Godoy. Ele havia gravado a música “Vida cigana”, que tocou muito nas nossas rádios FMs, e uma noite cantava num bar quando uma moça lhe mandou um bilhete dizendo: “Por favor, cante ‘Vida Cigana’, de Beto Godoy.” Ele riu um bocado e ela sequer imaginava que era o próprio autor quem estava ali.
Se você tem o hábito de ler minhas crônicas e noite dessas estiver num bar, ao ver o cantor rindo após receber um bilhete do garçom, na certa deve ser mais uma “pérola”.


* Cantor e compositor

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Saudades de Zé da Conceição

Bueno *

Dia desses, revisitando as fotos que tenho no meu “face”, parei – saudoso – diante de uma em especial, era de Zé da Conceição e seu sorriso largo – e olha que ele pouco sorria –, na cabeça um chapéu de feltro, vestia paletó e segurava na mão esquerda um violão. Olhando aquele instrumento em mágicas mãos, lembrei-me que, certa vez, eu estava numa festa e Zé da Conceição era a atração musical.
Em festa sempre tem aquele cara que quer dar uma canja, geralmente já tomou um monte e pouco está se lixando se der algum vexame. E aconteceu. Um mala cismou de querer cantar e tocar no violão de Zé da Conceição. Nosso músico morria de ciúmes de seu pinho, também era de pouca conversa, mas falou pro sujeito: “No meu violão só eu toco, se você quiser lhe acompanho, você pode cantar qualquer música”.
Mas o cara, inconformado com a negativa do nosso músico, armou o maior furdúncio. Daí pensei... “Isso vai dar barraco”. Antigos amigos do Zé da Conceição diziam que, se fosse nos velhos tempos, quando ainda bebia, o cara já teria levado uns catiripapos dos bons. Zé, com quase dois metros de altura, forte como um touro, mãos que pareciam ser de tudo, menos de tocador de violão, quando ficava bravo e com algumas doses de whisky na cabeça, deitava no chão um batalhão, mas na época da festa ele estava pianinho.
A coisa acalmou e Zé voltou a tocar. Daí o dono da festa, muito gentil e fã do grande músico, veio se desculpar pelo seu convidado. Foi quando nosso artista lhe disse: “Este violão, para pagá-lo, precisei passar muitas e muitas noites tocando sem levar dinheiro algum pra casa, só eu sei o quanto me custou, veja que o cara está chapado, se ele tropeça cai em cima do meu instrumento de trabalho e o quebra, como fico eu???”
Vi muitas vezes com que carinho e zelo ele tratava seu parceiro de música. A festa seguiu beleza. Um dia assisti a uma apresentação dele no Sesc Ribeirão, quando acabou fui abraçá-lo e ele disse: “Buenão, quero um chapéu seu de presente” Emendei: “Te dou, sim, Zé”. Até disse a ele que gostava muito do tipo “panamá”, e ele respondeu: “Pode ser este mesmo, Buenão, sabe como é... cavalo dado, não se olha os dentes”. Perguntei: “Qual o seu numero???”
E ele: “Pode ser o mesmo que o seu, vai dar certinho.” Percebi que Zé tinha um cabeção, mas fiquei quieto, fui no velho Mercadão onde compro meus chapéus e comprei-lhe um 59, meu número, ele provou e mal lhe cobriu o “cucoruco”, rimos muito e ele falou: “Nossa, Buenão, não sabia que eu tinha este baita cabeção.”
“Coisas da vida, Zé”, respondi. Depois ele foi lá na chapelaria, provou um monte e acabou saindo com este chapéu de feltro que está na foto – uso este modelo no inverno. Pereira, músico, foi tocar com Zé da Conceição no Sesc Bauru acompanhando uma cantora. Chegando lá, ouviram de um grupo de jovens o seguinte comentário: “Vamos embora que hoje vai ser pagode.”
Zé ouviu, ficou uma fera e chamou os caras. Pegou seu violão e deu o maior show, tocou até Beethoven, os caras ficaram de boca aberta, e Pereira completou: “Buenão, eu e o Zé, dois ‘negão’, os caras acharam que ia virar pagode...”
Outra história do Zé que Pereira conta e ri muito: Zé nunca tinha andado de escada rolante e certa vez foi pra São Paulo de ônibus. Já na rodoviária, ele com a mala numa das mãos e violão na outra, foi encarar a escada que leva todos ao andar superior. Pereira disse que ele tinha medo e ficou um tempão ensaiando como entrar na escada, até que levou um tranco do povo e lá foi ele suando em bicas e encarando a inimiga.
Ao chegar lá em cima, Zé colocou mala e o violão no chão pra respirar e enxugar seu suor, nem percebeu que a escada não parava. Aquela multidão chegando e aquele baita homão parado na saída, Zé levou aquele empurrão e lá foi violão, Zé e mala tudo rolando pelo chão, e o povo caindo em cima... fco imaginando a cena...
Zé da Conceição. Foi bom lembrar dele de uma forma alegre, tenho mais histórias deste querido amigo e grande músico pra contar, mas fica pra próxima


* Cantor e compositor

quinta-feira, 5 de junho de 2014

JOÃO NOGUEIRA

Uma homenagem ao poeta da calçada





Por Julio Cesar de Barros

João Batista Nogueira Júnior, o João Nogueira (12/11/1941-5/6/2000), cantor e compositor que se autodefinia como um sambista da calçada – como Noel Rosa - em contraponto aos sambistas do morro, morreu no dia 5 de junho de 2000, deixando uma legião de fãs de seu estilo muito pessoal de compor e cantar o samba e uma obra impecável. Talentoso e muito querido, ele emprestou seu nome a um centro cultural na sua cidade natal. No dia 8 de fevereiro de 2011, a prefeitura do Rio de Janeiro deu início às obras do espaço em sua homenagem, no local onde funciona a casa de espetáculos Imperator, um antigo cinema para 2 400 pessoas, que foi o maior da América Latina. No dia 12 de junho de 2012 a obra foi inaugurada com show para convidados e no dia 15 foi aberta ao público em geral. A prefeitura fez um investimento de 21 milhões de reais no prédio, que conta com salas de cinema, teatro, exposições, livraria e bistrô, além de um local exclusivo para guardar o acervo do artista. O prédio de três andares previa ainda um terraço verde de 1 200 metros quadrados com restaurante. O terreno, localizado no Méier - bairro onde João Nogueira nasceu, em 12 de novembro de 1941 - foi cedido pelo Estado em cerimônia da qual participaram o governador Sérgio Cabral, o prefeito Eduardo Paes, o cantor e compositor Diogo Nogueira, filho de João, e Ângela Maria Nogueira, sua viúva.

Filho de um advogado e violonista que tocava com a Velha Guarda do samba e com chorões de porte, João Nogueira começou a compor aos 15 anos, fazendo sambas para o bloco carnavalesco Labareda, do Méier, através do qual conheceu o músico Moacyr Silva, dirigente da gravadora Copacabana, que o ajudou a gravar o samba Espere, Ó Nega, em 1968. Mas ele apareceu na cena artística nacional quando no início dos anos 70 emplacou o sucesso Das 200 Pra Lá, samba que defendia a política de expansão de nossa fronteira marítima ao longo de 200 milhas da plataforma continental. O samba assumiu as primeiras posições das paradas na voz de Eliana Pittman e mereceu citação em reportagem da revista americana Time, pelo seu tom nacionalista afirmativo. Funcionário da Caixa Econômica, João se viu às voltas com certo patrulhamento, já que a bandeira das 200 milhas havia sido levantada pelo governo militar. "Pensaram que eu tinha virado Dom e Ravel", brincou ele mais tarde. Seu primeiro disco foi um compacto simples com Alô Madureira eMulher Valente. Em 1969 Elizeth Cardoso gravou seu Corrente de Aço, no disco Falou e Disse.

João Canta Do Jeiro que o Rei Mandou:
httpv://www.youtube.com/watch?v=CBSd3y8NuTg&feature=related

Mas o primeiro álbum, que levou seu nome no título, só veio em 1972, pela Odeon, selo pelo qual lançaria seus primeiros seis LPs. No disco, um clássico: Beto Navalha, regravado com grande força por Martinho da Vila, em 1973, no LP Origens. Mas a largada para valer de João Nogueira na carreira se deu em 1974, com seu segundo LP, E Lá Vou Eu, disco que chamou a atenção da crítica e do mercado para uma novidade no reino do samba. A começar pelas parcerias com Paulo César Pinheiro (E Lá Vou EuBatendo a Porta, Eu Hein, Rosa (esta regravada por Elis Regina com grande sucesso em 1979), Partido Rico  e o lírico Braço de Boneca), Zé Catimba, o genial compositor da Imperatriz, aparece em Do Jeito Que o Rei Mandou, e a irmã Gisa Nogueira em Meu Canto Sem PazEu Sei Portela. O disco resultou num show intimista em que o carioca se apresentou ao violão no Teatro 13 de Maio, em São Paulo, para uma platéia embevecida com a novidade.

João era diferente, não vinha do morro nem das escolas de samba, embora frequentasse a Portela desde criança, levado pelo pai, e não era o compositor de apartamento que fazia o ritmo popular, como Carlinhos Lyra, Tom Jobim e tantos outros. Se aproximava mais de Paulinho da Viola, com seu samba de varanda, som de subúrbios de casas avarandadas, de terreno antigo trilhado no choro e na seresta. Seu jeito de cantar era típico dos intérpretes do samba sincopado dos anos 40 e 50. Mas tinha personalidade. Como os velhos cantores, João brincava com a divisão, reinventando a síncopa. "É mais um João que veio diferente no cantar samba e fazer verso. É mais uma reza forte nas quebradas", disse dele o radialista e produtor Adelzon Alves, um grande impulsionador de seu início de carreira. Estava aberta a porteira pela qual João faria passar sua boiada. Em 1975, lançouVem Quem Tem, novo grande disco, no qual se destacou a homenagem que fez a Natal, o todo poderoso dirigente da Portela e bicheiro de Madureira, a quem dedicou O Homem de Um Braço Só.

Se no LP de 1974 ele reservara uma faixa para Noel Rosa, de quem gravou Gago Apaixonado, neste ele gravaria Não Tem Tradução, reverenciando mais uma vez o poeta da Vila, um dos três esteios de sua inspiração, ao lado de Geraldo Pereira e Wilson Batista, dos quais recebeu as influências que explicavam seu estilo de compor e cantar o samba – e aos quais dedicaria um LP inteiro (Wilson, Geraldo e Noel, 1981, Polygram). O disco, contudo, seria lembrado por outros sucessos, como Nó na Madeira (parceria com Eugênio Monteiro) e Mineira, uma homenagem a Clara Nunes, parceria com P. C. Pinheiro, o marido da cantora. O disco trazia ainda três parcerias com um jovem violonista de muito talento, que se revelava ótimo compositor, Cláudio Jorge, com quem assinou três faixas do disco (Samba da Bandola, Chorando Pelos Dedos e Pra fugir Nunca Mais). Ivor Lancelotti, de quem João gravara o lindo samba-canção De Rosas e Coisas Amigas, no disco de 1974, reaparecia comSeu Caminho Se Abre. Em 1979 ele introduziria o parceiro no show João Nogueira Apresenta Ivor Lancelotti. Quando Diogo Nogueira, seu filho, canta Espelho, faixa título do disco que João lançou em 1977, os jovens que formam sua legião de fãs imaginam que ele está falando do pai, nos versos que dizem “Um dia chutei mal e machuquei o dedo/ E sem ter mais o velho pra espantar o medo/ Foi mais uma vontade que ficou pra trás”. Afinal, Diogo foi jogador profissional de futebol, esporte que abandonou depois de sofrer uma séria contusão. Na verdade a letra da música é auto-biográfica, sim, mas de João, o pai, referindo-se ao avô de Diogo. O flamenguista João Nogueira foi também um boleiro frustrado por uma contusão.

Nos quatro primeiros discos que João lançou estavam dadas as linhas mestras do que seria sua carreira. E está contido o melhor do compositor, que um dia entrou no Portelão cantando “Hoje eu estou cheio de alegria/ E sou até capaz de me embriagar/ Uns amigos bambas neste dia/ Me convidaram a participar/ De uma escola de samba que é todo meu dengo/ De um terreiro de bambas que é todo meu mal/ Vou me livrar da tristeza/ E sambar na beleza do seu Carnaval”, samba de apresentação à ala dos compositores da Águia de Osvaldo Cruz, que o convidará a se juntar a seus bambas, em 1972. O namoro duraria até meados dos anos 80, quando João abandonou a escola, descontente com os rumos que o presidente Carlinhos Maracanã lhe impôs, e juntou-se a outros sambistas, herdeiros do velho Natal, para fundar, em 1984, a Tradição, escola para a qual compôs em parceria com P. C. Pinheiro os cinco primeiros sambas-enredo, de 1985 a 1989. Diogo, seu filho, é a reconciliação com a Portela, onde foi por quatro vezes vencedor do samba-enredo.

João canta Espelho:
httpv://www.youtube.com/watch?v=17qD-DULlTU

Em 1979, João fundou o Clube do Samba, com Alcione, Martinho da Vila e Beth Carvalho, entidade à qual dedicou o título de seu disco daquele ano, que trouxe novos sucessos, como Súplica Canto do Trabalhador (com P. C. Pinheiro). O clube, que no início funcionava em sua casa e que mais tarde lançou um bloco carnavalesco para desfilar na Avenida Rio Branco arrastando foliões saudosos dos velhos carnavais, funcionou em vários endereços, inclusive na Barra da Tijuca. Pelo seu palco passaram os grandes nomes do samba e compositores das escolas cariocas. Era frequente a programação reunir numa mesma noite gente do naipe de Ivone Lara, João Nogueira e Roberto Ribeiro, que um ano depois de sua morte foi homenageado pelo bloco no Carnaval. O próprio João, morto no ano 2000, seria homenageado no Carnaval seguinte com o tema “Como Diria João”.

Uma das músicas mais cantadas de João, uma espécie de hino dos compositores, foi o sucesso do disco de 1980, Boca do Povo. Trata-se de Poder da Criação (“Ninguém faz samba só porque prefere/ Força nenhuma no mundo interfere/ Sobre o poder da criação”), novamente com P. C. Pinheiro, seu parceiro mais constante, com quem acabou por lançar o CD Parceria, em 1994, no qual comemoravam 22 anos de composições conjuntas e mais de 50 obras compostas. "A gente senta junto e, quando levanta, está saindo um samba. Até mesmo sem querer", diria João. Nas dezessete faixas do CD, há uma homenagem a Clara Nunes, morta em 1983, nas faixas Um Ser de Luz As Forças da Natureza, de versos emocionados como As pragas e as ervas daninhas/ As armas e os homens do mal/ Vão desaparecer/ Nas cinzas de um Carnaval. João lançaria outros grandes discos, como o já citado em homenagem aos três grandes do samba, Wilson, Geraldo, Noel, seu nono álbum (1981), só com músicas dos três autores, dando descanso à parceria com P. C. Pinheiro.

João canta Nó na Madeira:
httpv://www.youtube.com/watch?v=iNyLMfsdDuU&feature=related

Ele seguiria lançando discos de qualidade (18 álbuns-solo no total) e participaria de discos coletivos, como Clara Nunes – Com Vida (1995), no qual dividiu as faixas com gente como Martinho da Vila, Roberto Ribeiro e Nana Caymmi. E Chico Buarque da Mangueira (1998), disco em homenagem ao compositor, que era enredo da escola naquele ano. Em 1995, com o maestro e pianista Marinho Boffa, João gravaria um CD só com músicas desse mesmo Chico Buarque de Hollanda, num trabalho de Almir Chediak com catorze canções, dentro da segunda edição do projeto Letra e Música. O disco foi lançado com um show no programa Seis e Meia do Teatro João Caetano. Ele participou também do disco Esquina do Samba, gravado ao vivo em 2000 no botequim Pirajá, em São Paulo, com Ivone Lara, Walter Alfaiate, Beth Carvalho, Moacyr Luz, Luiz Carlos da Vila e outros. No mesmo ano participou de um disco da Velha Guarda da Portela. Em 2009 foi çançado um DVD da participação de João Nogueira no programa Ensaio, da TV Cultura de São Paulo.

João Nogueira morreu na madrugada do dia 5 de junho de 2000, aos 58 anos, vítima de um infarto fulminante, em sua casa no Recreio dos Bandeirantes. João vinha sofrendo de problemas circulatórios que lhe haviam causado uma isquemia cerebral dois anos antes. Esteve internado em estado grave por um bom tempo, mas conseguiu se recuperar. Sofreu nova isquemia de menor impacto no início de 2000 e outra dois meses depois. Mas, sob observação médica, estava confiante, levava uma vida mais regrada, e ensaiava para shows que faria por aqueles dias, nos quais planejava apresentar trabalhos inéditos, além de sucessos de seu último álbum, João de Todos os Sambas, lançado em 1998 na quadra da Escola de Samba Acadêmicos da Rocinha, na favela que era homenageada no disco: "Junto ao mar/ Num morro que era ainda despovoado/ E dividia a Gávea e São Conrado/ Nasceu uma favela", dizia na faixa Rocinha. Foi uma perda grande para a cena musical brasileira. "Ele tinha uma forma de frasear muito própria. Não vejo seguidores dele. Creio que essa escola, cuja origem talvez tenha sido Ciro Monteiro, se acaba com a morte de João", lamentou Hermínio Bello de Carvalho. Todos sabiam de suas qualidades especiais de intérprete, mas João valorizava mesmo as composições. Só em 1999, quando recebeu o Troféu Eletrobras de MPB é que reconheceu seu canto. "Hoje estou adorando cantar. Antes, gostava que me vissem mais como compositor", disse. João deixou três filhos, entre eles Diogo, que pegou o bastão, não deixou a peteca cair e nos faz matar as saudades do pai, dada a semelhança física, vocal e a simpatia com que representa o melhor samba carioca.