domingo, 20 de novembro de 2011

Havia uma goiabeira no meio do caminho

Peço licença ao grande poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade para usar neste texto uma de suas mais belas frases: "Havia uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho havia uma pedra". Essa joia de Drummond me remete a meu tempo de menino na Vila Tibério, parece até que tal frase foi feita para meu velho pai. Lembrei-me do dia em que ele comprou uma bicicleta dizendo que ia aprender a andar. Previ que ele teria certa dificuldade para conseguir equilibrar-se sem levar belos tombos, umas raladas ou quem sabe algum osso quebrado. O velho Rói era do tipo teimoso, daqueles zagueiros sem molejo, faltava-lhe aquele ziriguidum... E olha que ele caiu muito da magrela, as ruas eram de terra, quase não tinha asfalto e sempre que se levantava batia a poeira da roupa. Nesta hora eu o ouvia esbravejar, olhando para sua bicicleta. "Já amansei muito burro bravo, e não vai ser você que vai me deixar no chão, bichinha", dizia.

Ele aprendeu, e embora não conseguisse fazer firulas com sua bike, vivia pela Vila a pedalar, corpo durinho em cima do selim, até que um dia, na mesa de jantar, ele disse: "Eu não entendo uma coisa... Faz meses que aprendi a andar de bicicleta. No caminho por onde passo tem uma pedra que eu, cinquenta metros antes, sempre tento desviar, mas não é que acabo por passar em cima dela?".

Pois é, Drummond, meu caro poeta, havia uma pedra no caminho do meu pai!!! Será que era a sua???

Mudei-me para o centro de Ribeirão Preto faz cinco anos, vindo da Vila Virginia. Lá, ao amanhecer, ouvia o cantar de bem-te-vis, canários e curiós, sem contar a festa dos pardais que visitavam árvores frutíferas dos vizinhos. Pensava que no centro não mais teria esse privilégio. Ledo engano. Depois que canaviais roubaram seu habitat natural, as árvores da praça XV de Novembro tornaram-se um tremendo dormitório de aves das mais diversas. Elas fazem suas primeiras refeições em mangueiras, jabuticabeiras, mamoeiros, goiabeiras e outras espécies que de onde moro posso visualizar no quintal da biblioteca Altino Arantes.

Na rua Álvares Cabral, em frente ao numero 172, na calçada do outro lado, onde um dia foi a sede da CPFL, havia uma goiabeira adulta, pelo seu tamanho acho que ela tinha uns vinte anos, e ainda produzia goiabas vermelhas de sabor de antigamente. Provei de seu fruto, bem diferente destas que tem gosto de isopor que encontramos nas esquinas e mercados. Alem dos frutos, sua sombra abrigava veículos do sol ardente que abrasa nossa cidade. Quando suas goiabas amadureciam, assistia de camarote ao banquete que proporcionava a nossos passarinhos que, alimentados e na maior felicidade, voavam até a árvore da esquina e soltavam suas vozes como fosse um imenso coral.

Mas, como diria Drummond, havia uma goiabeira no meio do caminho, mas no caminho de alguém que supôs que sua presença física poderia atrapalhar seu maior faturamento, alguém que acha que dinheiro é tudo.

Cheguei uma noite em casa e nada percebi, mas na manhã seguinte tinha qualquer coisa diferente no ar, não ouvia o cantar dos passarinhos, abri minha janela e cadê o pé de goiaba, quem o cortou, onde foi desovado? Não deixaram pistas... Só sei que ele ficava a dois ou três metros de uma das entradas de um estacionamento temporário. Temporário, sim, porque os terrenos estão à venda, tal espaço será ocupado por não sei o quê. O pé de goiaba não era temporário, demorou bem uns vinte anos para atingir seu porte. Suponhamos que o arrependimento bata no coração de quem o cortou e ele resolva reparar seu erro plantando um novo pé de goiaba: vai ter que esperar bem uns vinte anos para ver o que tantas vezes vi.

Termino com um pensamento indígena: "Só depois que a última árvore for derrubada, o último peixe for morto, o último rio for envenenado, os homens brancos irão perceber que dinheiro não se come"

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