quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Tom Jobim e o galo seresteiro

Quando estava construindo Brasília, o presidente Jucelino Kubitschek levantou, em meio às obras no Planalto, o Catetinho, uma extensão do Palácio do Catete do então Estado da Guanabara, hoje Rio de Janeiro, de onde despachava. Foi feito todo de madeira e sua função era para servir como sede do governo quando o presidente estivesse fora do Rio. Ele está no mesmo lugar, preservado até hoje.

Foi construído numa posição estratégica. Isso porque, dizia o presidente, dava para avistar a nova capital surgindo em meio ao cerrado do Planalto Central. Jucelino era um boêmio incorrigível! E como apreciador de boa música, gozava de muita amizade com Tom Jobim, das noites cariocas.

Certo dia, o artista recebeu o convite do presidente da República para passar alguns dias na capital federal, que estava começando a ganhar as formas inconfundíveis de Oscar Niemeyer. É claro que Tom Jobim topou, mandou embalar seu companheiro de criatividade, colocando-o numa "águia de aço", desembarcando na futura capital do país no avião presidencial e seguindo rumo ao Catetinho com o piano a tira colo.

Foi num programa de entrevistas, pouco antes de morrer, que Tom Jobim contou que deu um trabalhão danado passar o piano na porta do Catetinho. Depois do piano acomodado, a boemia só mudou de endereço!
Em um daqueles dias fatídicos, chega para passar uns dias o parceiro do poeta, o também poeta Vinicius de Morais, na quase pronta Brasília. Numa tarde de muito calor, Tom e Vinicius receberam um outro convite presidencial irrecusável: conhecer uma mina d'água no meio da mata nativa logo atrás do palácio.

Amante da natureza, o maestro ficou apaixonado pela enorme bica que brotava do chão, com água potável e geladinha. Ficou extasiado com tamanha manifestação da natureza... E onde se junta poeta e músico, só tinha que dar música. Começou a nascer ali o samba Água de beber (Água de beber, água de beber camará...). Homenagem à bica d'água que até hoje existe. O sucesso foi gravado e regravado pelos maiores nomes da MPB.

E aqueles dias ao lado dos amigos foram seguindo no pequeno palácio de madeira. Tom, como a maioria dos compositores, gostava de compor de madrugada. Aliás, os amantes da madrugada sabem o que é o som de um piano, um violão naquele silêncio, ao ar livre, numa cantoria, numa serenata... Só quem viveu isso sabe! Vivi muito isso!

Foi numa dessas madrugadas que Tom Jobim estava ao piano compondo uma música. Será que não foi Água de beber? É, talvez. Mas, veja essa: atrás do palácio tinha um galinheiro, reserva especial do presidente. Naquela noite, Tom estava inspirado, e no poleiro, um galo, quem sabe envolvido pelo som do teclado do compositor, resolveu concorrer no gogó com o maestro, e inspirado cantava alto, mas tão alto que começou a incomodar Tom, que chegou a errar algumas notas na partitura. E o galo cantor mandava ver, cantava, cantava e cantava... Só faltava pedir o tom pro maestro Tom. O músico não conseguia se concentrar, até que, num ato impensado, deixou o piano e passou a mão num pedaço de pau, pensando seriamente em dar um fim ao seresteiro do galinheiro.

Ao sair na varanda do palácio, foi indagado pelo sentinela. "Aonde o senhor vai, seu Tom?" E ele respondeu: "Vou matar este galo que está me estragando a noite". Assustado, o sentinela retrucou imediatamente. "Esse não, seu Tom". "Porque não?" questionou, nervoso, nosso Tom. Meio que sem jeito, o sentinela arrematou: "Esse é o galo preferido do presidente!"

Aí a coisa mudou de figura e esse galo ficou devendo a vida pro sentinela. Restava ao maestro dar meia volta, fechar seu piano e tomar um porre. Não sei se a façanha virou inspiração para alguma música de Tom Jobim, mas uma coisa é certa: pra panela, o galo do presidente não foi! Tom Jobim fez 84 anos, faz aniversário junto com nossa capital, São Paulo, em 25 de janeiro

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