sábado, 9 de julho de 2011

Um avô, um neto e... a Mancha Negra...



* Bueno
buenocantor@terra.com.br

Segunda-feira passada, final de tarde, recebi uma ligação do meu grande amigo Tião do Violão, que é corintiano como eu e também parceiro nas intermináveis rodas de samba por aí. Ele leva um samba no seu velho pinho do jeito que gosto, aquela batida usando os bordões que violonistas modernos parecem não gostar ou utilizar. Tião gosta muito de cantar sambas de Noel Rosa, Nelson Cavaquinho, Cartola e outros bambas.
“Buenão”, disse Tião na ligação, “vamos fazer um happy hour porque tenho uma boa pra te contar”. Mas estou de “molho”, disse a ele que preciso ficar trinta dias sem tomar gelado por conta de uma cirurgia espiritual que havia feito e por isso estava evitando botecos. E boteco, Tião sabe muito bem, é uma coisa que adoro. Ele não se deu por vencido e deu-me aquela intimada: “Buenão, não quero nem saber, a história que vou te contar dá uma crônica legal para o Tribuna, pego você as seis e meia e vamos para o Bar do Bim”.
Bim é nosso amigo de mocidade, um verdadeiro dono de bar, daqueles que adivinha o pensamento do freguês, sorriso largo, cerveja no ponto, copos trincando de congelados, a cerveja até agradece e se faz mais gostosa, tiragosto dos mais variados... Enfim, lá estávamos, Tião na loura gelada e eu só na água sem gelo, quando lhe cobrei: “E aí, Tião, qual é a história que o fez tirar-me de casa, cara???” Tião deu o primeiro gole, descansou o copo e disse: “Ontem fui assistir a Comercial e Guarani com meu neto de 15 anos e fiquei no meio da torcida Mancha Negra!!!” “O quê???”, respondi perguntando, após levar um tranco. “Mas como isso é possível??! Você é botafoguense desde criança e ‘se atira’ no meio da massa comercialina??!!! Cê té louco, Tião???”.
Tião deu outra golada e falou: “Buenão, você salvou seu neto, o fez botafoguense e corintiano como você, mas eu marquei bobeira, uma tia solteira do meu neto namorava um cara comercialino que por um descuido meu, lhe presenteou com uma camisa do Leão quando ele tinha dez anos, eu achava que era só fogo de palha, não dei bola, mas não é que o menino virou um fanático torcedor do Comercial? Tentei mudar sua cabecinha, mas ele, inteligentemente, respondeu-me: ‘Vô, você não disse um dia que corintiano não troca de mulher nem de time???’ Opa!!! Puxa!!! Disse mesmo, isso aconteceu quando o São Paulo estava ganhando campeonatos seguidos e alguns coleguinhas de escola migraram para o Tricolor, depois do que lhe disse o Timão ganhou o mais fervoroso louco, ele é tão corintiano que não acho explicação para tamanha paixão, dia de jogo coloca no sofá a bandeira do Corinthians, veste a nove do Ronaldo e chora nas vitórias e derrotas”.
E Tião continuou. “Buenão... de repente me vi no meio da massa Mancha Negra, que batucava sem parar, e ali revivi a Fiel Torcida corintiana que canta e batuca o jogo inteiro. Meu neto falava: ‘Vamos, vô, canta com a gente’. E eu até arrisquei só para agradá-lo, a torcida empurrando o time, ensaiou até a famosa OOOOLLLLA. E eu lá no meio a levantar os dois braços, mas o jogo acabou empatado adiando, a classificação. Apesar do grande publico que manchou a arquibancada de preto e branco já antevendo uma classificação, não houve nenhum quiproquó, nem mesmo diante da provocação da torcida bugrina. Desci com meu neto a avenida Plínio de Castro Prado numa boa, missão cumprida”, disse Tião. “O que a gente não faz por um neto, Buenão!”
Ouvi essa aventura do meu parceiro Tião do Violão, que nessa altura tinha tomado varias ampolas e, antes de pedir a saideira pra me levar de volta, arrematei: “Tião, adoro meu neto, cara, mas não sei não, acho que não teria a coragem que você teve não, meu caro amigo.”

* Cantor e compositor

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