sexta-feira, 15 de julho de 2011

Butecos: quem resiste a eles?



* Bueno
buenocantor@terra.com.br

 Acreditem, mas demorei um bocado para descobrir os prazeres de um buteco. Só quando começou a minha parceria com Sócrates é que, aos poucos, fui me rendendo a esse salutar hábito de “butecar”. Aliás, assumo que esse é um dos meus verbos preferidos! Até porque, ele, o Sócrates, gosta muito de escrever poesias, ou letrar minhas melodias em mesas de bar e para tal usa o que tem na mão, quase sempre são aqueles guardanapos de papel. Tenho dezenas de poesias guardadas, nascidas enquanto “butecávamos”...
Guardo também letras de nossas músicas escritas por ele naqueles papéis em que embalam maços de cigarros. Sou chegado numa mesa de buteco, tem muito a ver com o mundo em que transito, o mundo da música! Mas, atualmente, confesso que estou meio que fora de combate, tô meio “pianinho”, tô com a bola no chão, só tocando de prima, amigo. Mas, de vez em quando, felizmente, tenho umas recaídas...
E foi no Empório Brasília do Centro que eu e Sócrates compusemos belos sambas! Assim que o Márcio abre o bar, ele coloca na parede um quadro entalhado em madeira em que está escrito: “Mesa do Dr. Sócrates”. Mas o gozado é que sempre que lá chegávamos, aquela mesa “especial” estava ocupada, geralmente por fãs do Magrão que vinham de outra cidade, na esperança de ali encontrá-lo. Numa mesa de bar se joga muita conversa dentro, e se o tiragosto for caprichado, a cerveja no ponto e um banheiro limpo, aí sim é que me amarro. E discordo do antigo dito popular de que em mesa de buteco se joga conversa fora.
Já dizia o filósofo, cantor e compositor Reginaldo Rossi na sua música Garçom: “Garçom, no bar todo mundo é igual”. O poeta Gonzaguinha escreveu e cantou também no seu samba Mesa de Bar: “Na mesa de um bar todo mundo é sempre o maior, a dona birita levanta a moral de quem tá na pior...” Vi grandes negócios serem fechados em mesa de bar. Esse recanto de lazer tem várias denominações. No Rio de Janeiro é “butiquim” ou “pé sujos”, e, nos morros cariocas o chamam de “vendinha”. Martinho da Vila até usou esse termo no belo samba Na aba do meu chapéu.
Tom Jobim e Vinicius de Morais faziam do ambiente dos bares seus escritórios e local de profundas inspirações, imortalizadas em suas belas canções. Para isso, usaram até o famoso Plataforma. Conto uma história de que estavam em um bar Tom, Vinicius e Dolores Duran, quando Tom, acompanhando-se ao violão, mostrou para os dois uma linda melodia sem letra, e como todos gostaram, combinaram de que os três fariam uma letra cada e, no outro dia, no mesmo horário, estariam ali e cada um mostraria o escrito, daí escolheriam a melhor.
No dia seguinte os três lá estavam, cada qual com uma letra, foi quando Dolores Duran pediu para mostrar a dela primeiro. Tom e Vinicius entreolharam-se concordando e ela cantou sua letra. Quando terminou, os dois, como que paralisados diante da magistral letra escrita por ela, num gesto único, amassaram suas escritas e as jogaram no lixo. Assim, ninguém ficou sabendo o que escreveram. Naquele momento Dolores Duran acabava de ser parceira de Tom na belíssima música Por causa de você”.
Outro poeta e também compositor, Noel Rosa, que se mandou pra outro “plano” ainda jovem, aos 26 anos, também butequeiro de carteirinha, até compôs o belíssimo samba Conversa de Botequim, em que aluga o garçom o tempo todo e dele até parecia ser intimo. Lendo a letra e ouvindo o samba, tenho a impressão de vê-lo nitidamente com aquele terninho básico, chapéu na mão, arrastando uma cadeira, cotovelo na mesa e o papo fluindo de uma maneira que me sinto sentado na mesa ao lado, assistindo aos pedidos do ilustre freguês.
O compositor manda logo seu primeiro pedido, já querendo forrar no estômago. “Seu garçom faça o favor de me trazer depressa, uma boa média que não seja requentada, um pão bem quente com manteiga à beça, um guardanapo, e um copo d’ água bem gelada”. Pelo pedido percebe-se que Noel acabara de acordar, e pelo papo parece ser fim de tarde, que para ele é madrugada, pois até o jogo já acabou e ele pede ao fiel servidor para perguntar ao ocupante da mesa ao lado o resultado do futebol, assim iniciava seu dia etílico, ou melhor dizendo, sua noite etílica...
Fechando o samba, o brilhante Noel ainda pede ao garçom algum dinheiro porque deixou o dele com o bicheiro e arremata mandando o gerente pendurar a conta no cabide ali na frente. Coisas de Noel, coisas de buteco...

* Cantor e compositor

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