terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O samba está doente

No meu universo musical, poucas vezes usei o termo "no meu tempo". Sou adepto da filosofia de Paulinho da Viola, que diz: "Meu tempo é hoje". É, meu tempo é hoje, eu vivo o hoje. Atravessei gerações passando por vários estilos musicais, pertenci ao conjunto Jetsons, tocando o repertório de toda a Jovem Guarda, principalmente de Renato e seus Blue Caps, que, por sua vez, cantavam versões dos Beatles. Passei por canções italiana, cantando Sergio Endrigo, Gianni Morandi, Pepino de Capri, e outros.

Com o fim dos Beatles, conjuntos do mundo inteiro também encerraram atividades, e seguimos a vida voando nas asas do vento. Quase não pegava meu violão, que, por pouco, não se tornou um brinquedo nas mãos de meus filhos.

Eis que, um belo dia, no rádio de meu carro ouvi uma música que mudou mais uma vez meu estilo musical. Era o grande sambista carioca João Nogueira cantando Espelho, de autoria dele e de seu parceiro de inúmeras composições, o maravilhoso poeta - e também carioca - Paulo César Pinheiro. Essa canção foi feita para o pai de João Nogueira, que se foi antes do combinado, quando o cantor tinha apenas nove anos.

João pediu ao parceiro essa homenagem. Se você que está lendo esse texto e não conhece a música, procure ouvi-la. Vais arrepiar, amigo! Há pouco tempo, assistindo a uma entrevista com o poeta, Chico Pinheiro, da Globo, lhe perguntou sobre sua parceria com João e a música em questão. Paulo César, lembrando do saudoso amigo, disse que quando letrou a música imaginou escrever para seu pai e chorou muito. Eu como adoro histórias, ganhei mais uma para meu arsenal.

Tornei-me sambista, tenho tudo ou quase tudo de João Nogueira, e fico muito feliz ao ver a herança deixada por ele, seu filho Diogo Nogueira, mais uma jóia rara no samba.

Um fato interessante aconteceu no velório de João, que mais parecia uma grande festa. A pedido do cantor, sua esposa armou uma roda de samba regada por trezentos litros de chope. Estava presente a nata carioca do pagode. Luiz Ayrão, também cantor, era constantemente confundido com João e vice-versa, e isso os divertia muito. Ao saber da morte do sósia, correu para o velório, fez uma conversão irregular em uma avenida e foi flagrado pelo guarda, que, ao se aproximar, disse: "Até tu, seu João Nogueira!!!".

Aprendi a cantar samba com João Nogueira, aquela ginga, aquela malandragem carioca, com ele descobri o samba sincopado, o samba de breque, o samba rasgado e o samba lento. Devo a esse grande mestre esse meu lado.

Mas a razão desse texto, "O samba está doente", é sobre uma reportagem que vi na TV com um dos maiores sambistas do Brasil, Neguinho da Beija-Flor. Quando vi Neguinho com a cabeça raspada em razão da quimioterapia, tremi na base e pensei: "Meu Deus!!!". O câncer atravessou o samba, sua voz enfraqueceu. Bem que ele quer cantar o samba da agremiação este ano na avenida, mas teme não conseguir e prejudicar sua escola do coração. Assisti toda a matéria emocionado. Ele, que possuía a voz mais alta de todos os cantores de sambas enredos do Brasil, perdeu aquele brilho. Ela está rouca, seu corpo e seu rosto me mostraram o quanto essa doença o está corroendo, vi lagrimas banharem seu rosto e voltei poucos meses atrás, quando sua alegria estampava o sorriso mais bonito do samba. Vou fazer minhas orações pedindo para que Jesus olhe por ele. Nesse ano, a escola de samba Beija-Flor de Nilópolis vai sair sem seu "canário cantador".

Eu aqui distante encerro com parte da letra do poeta sambista paulista Paulo Vanzolini: "Neguinho, levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima"!

Nenhum comentário:

Postar um comentário