quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

O bebê e o acidente

Queridos amigos, este é meu texto desta sexta feira para o Jornal Tribuna.
Se alguem puder ajudar-me a encontrar o bebê hoje um jovem, ficarei eternamente grato.
Boa leitura e bom fim de semana.
Buenão.



O bebê e o acidente

* Bueno
buenocantor@terra.com.br
www.buenocantor.blogspot.com

A história que aqui conto aconteceu há pouco mais de vinte anos. A última noite de carnaval foi tranquila, eu era policial rodoviário e havia entrado em serviço às seis da tarde, no quilômetro 250 da Via Anhanguera, no município de Santa Rita do Passa Quatro. Tínhamos invadido a madrugada sem novidades. Estávamos na Quarta-feira de Cinzas, nessa época o trânsito depois da meia-noite era fraco, muito diferente de hoje, quando as estradas estão lotadas a qualquer hora do dia ou da noite.
Lembro-me como fosse hoje. Eram quatro da manhã, o caminhão na contramão pelo acostamento, buzinando como um desesperado, eu e meu parceiro corremos ao seu encontro e o motorista muito assustado disse: “Guarda!!! Corra ali no quilômetro 252, fui fazer o retorno e tem um acidente feio lá em baixo com muita gente morta, não deu pra passar”.
Voei para o local e assustei-me com o que vi, era um carro Ford Escort destroçado, seu motor partiu-se em mil pedaços e estava espalhado por todo o retorno. Ele seguia no sentido capital-interior, e ali saiu para o canteiro central, voando no vazio que separa as duas pistas e espatifando-se no paredão de concreto, caindo de uma altura de mais de sete metros. Ninguém viu.
Dentro do carro estavam três pessoas. No banco de trás havia um casal, coloquei a mão na veia jugular deles e percebi não haver pulso, estavam frios e aparentavam estar mortos havia muito tempo. No banco da frente, do lado direito, havia uma moça ainda viva, mas muito ferida. Eu ouvia muito baixinho seus gemidos. Espalhadas pelo chão e dentro do carro estavam muitas fraldas de bebê, e, um pouco distante de carro, o corpo do motorista. Corri até ele e vi que estava vivo, mas com o corpo todo quebrado, braços, pernas e coberto de sangue. Consegui ouvir sua voz, tentei decifrar o que falava e entendi: “Salve meu filho, salve meu filho, salve meu filho!”. Pediu-me isso três vezes.
Fiquei como um louco a procurar o bebê, revistei todos os cantos do carro e nada, debaixo do carro e nada, ao redor e nada... Estava muito escuro e eu estava apenas com uma lanterna de mão. Aí, danei a pensar: “E se um lobo, uma onça ou outro bicho devorou o bebê?”. Havia muitos naquela região, vi um pouco distante uma banheirinha e algumas fraldas, mas nem sinal do bebê.
Meu parceiro ouvindo, meu lamento pelo rádio, veio apoiar-me. Decidimos subir o enorme barranco e procurar o bebê no canteiro central, achando meio que impossível ele estar lá, mas, fomos em frente. Subimos e começamos a vasculhar e de cara vimos uma fralda enroscada em um mato seco. Aí bateu enorme esperança de acharmos a criança. De repente, o foco de minha lanterna iluminou o que eu achava impossível!!! Ele estava ali!!! O bebê!!!
A luz de minha lanterna o iluminava como se fosse uma luz guiada por Deus. Ele estava em uma moita de capim, lembrando o nascimento de Jesus menino, estava vivo, e só de fraldinha balançava suas perninhas e braçinhos. Não chorava, e um fio de sangue já seco tinha escorrido de seu narizinho. Não contive minha emoção e, chorando, o apanhei nos braços tentando protegê-lo, aquecê-lo, imaginando o quanto sofreu por mais de seis horas sozinho naquela escuridão. Mesmo no verão as madrugadas são amenas, e aquele anjinho lutou muito pela sua vida. Seus olhinhos pareciam me agradecer e lhe disse: “Vou fazer de tudo para salvá-lo, pequenino, continue lutando, parabéns, você um bebê e já é um grande heroi”.
Minha viatura não pegou, tinha acabado a bateria, fomos para a pista e demos sinal de lanterna para o primeiro carro que vimos. Encostou uma caravan, o motorista assustado disse não saber porque parou naquele lugar, respondi que foi Deus que o mandou parar. Acomodamos o pequenino, que de imediato foi socorrido.
Descobri que eles saíram de Santos às cinco da tarde de terça-feira, calculei que o acidente foi por volta de dez da noite. Infelizmente a mãe do bebê morreu antes de ser socorrida, o pai passou por muitas cirurgias e morreu três meses depois. Como o bebê foi parar lá em cima? Só tenho uma resposta: A mão de Deus.
Este foi um dos acidentes mais tristes que atendi em minha carreira policial, o bebê deve ter hoje pouco mais de vinte anos, seu sobre nome é Sarantopoulus, nunca mais o vi, gostaria muito de encontrá-lo, abraçá-lo e lhe contar essa história.

* Cantor e compositor

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