sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Herói? Herói foi meu pai

Bueno *
Faz algum tempo, fui cantar na cidade de Barbacena, em Minas Gerais, bem longe da minha querida Ribeirão Preto, acho que quase 500 quilômetros. Era sábado, véspera do Dia dos Pais. Amanheceu, fomos até São João Del Rei, uma cidade pequena, linda e histórica onde uma tradição é mantida: de sua antiga estação ferroviária parte uma linda maria-fumaça, um trenzinho muito charmoso todo pintado com detalhes tradicionais e que por doze quilômetros vai sacolejando, apitando e tocando seu estridente sino, por entre montanhas e paisagens cinematográficas que encantam o mundo todo. E assim segue até Tiradentes.
Chegamos na estação de São João Del Rei, a imponente maria-fumaça estava parada esperando o horário da partida. Eu olhava atentamente ela funcionando, tipo fazendo aquecimento, de repente um arrepio transitou pelo meu corpo todo. Olhei para o maquinista, estava na pequena porta com seu terninho azul marinho e seu quepe na cabeça, tudo como antigamente. Pedi autorização para fazer umas fotos com ele dentro da velha máquina. Como todo bom mineiro, educadamente ele atendeu meu pedido, entrei naquele pequeno espaço, fiz as fotos, depois fechei os olhos e como que por encanto, viajei para um tempo que levarei em meu coração para sempre.
Era o tempo em que meu velho pai pilotava sua maria-fumaça, era maquinista da Estrada de Ferro Mogiana, ~bateu a sensação de vê-lo soltando o freio da velha máquina, puxando a alavanca e colocando-a em movimento. Assim via os trilhos surgindo metro por metro, até sumir no horizonte. Meu velho pai também tinha um quepe com emblema da companhia, vivia sempre com pequenos furos causados por fagulhas que saiam da chaminé da sua barulhenta amiga.
Minha amada e saudosa mãe, todas as vezes em que meu pai chegava das viagens, lavava suas roupas, que também vinham com alguns furinhos. Depois de secas, passava linha na agulha e caprichosamente fechava furo por furo.
Meu pai se chamava Rosemiro Bueno, mas tinha um apelido que ele gostava e eu também: Rói, assim era chamado por onde passava, nem sei de onde tiraram este apelido, eu pensava ser dos gibis que lia, tinha um cowboy de nome Roy Rogers, daí associava meu velho com o herói em quadrinhos.
O velho Rói começou como ajudante de maquinista. Era ele que, com seus braços fortes, alimentava as fornalhas  – na época o trem era a vapor, tocado a lenha que ficava empilhada logo atrás. Eu, menino, tinha a maior admiração por meu pai, me lembro de que tinha quatro anos de idade quando ele foi transferido para a cidade de Cajuru.
Morávamos na colônia da companhia e a linha férrea passava a poucos metros da nossa casa, em frente a uma enorme caixa d’água que abastecia todos os trens. Alçi eu brincava com meu irmão Rubens, que apelidei de “Du” por ter dificuldade de pronunciar seu nome. Na época, Du estava com dois aninhos, mostrava pra ele nosso pai comandando a heroica maria-fumaça, que fazia muito barulho e soltava fumaça por todos os lados, dizia eu, todo orgulhoso, ao meu pequeno irmão:
“Du, é nosso pai que está ali dentro, é ele que faz este enorme trem andar”, dizia. E lá ia o velho Roi se distanciando, nos olhando, e antes que a maria-fumaça sumisse numa curva ao longe, nosso pai acenava e abanava seu quepe, voltando dias depois. A velha máquina era lenta e qualquer distancia, por mais perto que fosse, o retorno era demorado.
A vida seguiu e vieram modernas locomotivas, mas deste conforto meu velho pai pouco desfrutou, ficou doente e nos deixou faz muito tempo, tempo que nem percebi, pois o sinto sempre por perto e sei que de onde ele está, torce por mim. Meu pai criou seis filhos honestos. Vejo na TV algumas pessoas serem rotuladas de herói, daí lembro-me do velho Rói e falo baixinho só pra mim: “Herói? Herói foi meu pai.”
* Cantor e compositor


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