Bueno *
Faz algum tempo,
fui cantar na cidade de Barbacena, em Minas Gerais, bem longe da minha querida
Ribeirão Preto, acho que quase 500 quilômetros. Era sábado, véspera do Dia dos
Pais. Amanheceu, fomos até São João Del Rei, uma cidade pequena, linda e
histórica onde uma tradição é mantida: de sua antiga estação ferroviária parte
uma linda maria-fumaça, um trenzinho muito charmoso todo pintado com detalhes
tradicionais e que por doze quilômetros vai sacolejando, apitando e tocando seu
estridente sino, por entre montanhas e paisagens cinematográficas que encantam
o mundo todo. E assim segue até Tiradentes.
Chegamos na estação
de São João Del Rei, a imponente maria-fumaça estava parada esperando o horário
da partida. Eu olhava atentamente ela funcionando, tipo fazendo aquecimento, de
repente um arrepio transitou pelo meu corpo todo. Olhei para o maquinista, estava
na pequena porta com seu terninho azul marinho e seu quepe na cabeça, tudo como
antigamente. Pedi autorização para fazer umas fotos com ele dentro da velha
máquina. Como todo bom mineiro, educadamente ele atendeu meu pedido, entrei
naquele pequeno espaço, fiz as fotos, depois fechei os olhos e como que por
encanto, viajei para um tempo que levarei em meu coração para sempre.
Era o tempo em que
meu velho pai pilotava sua maria-fumaça, era maquinista da Estrada de Ferro
Mogiana, ~bateu a sensação de vê-lo soltando o freio da velha máquina, puxando
a alavanca e colocando-a em movimento. Assim via os trilhos surgindo metro por
metro, até sumir no horizonte. Meu velho pai também tinha um quepe com emblema
da companhia, vivia sempre com pequenos furos causados por fagulhas que saiam
da chaminé da sua barulhenta amiga.
Minha amada e
saudosa mãe, todas as vezes em que meu pai chegava das viagens, lavava suas
roupas, que também vinham com alguns furinhos. Depois de secas, passava linha
na agulha e caprichosamente fechava furo por furo.
Meu pai se chamava
Rosemiro Bueno, mas tinha um apelido que ele gostava e eu também: Rói, assim
era chamado por onde passava, nem sei de onde tiraram este apelido, eu pensava
ser dos gibis que lia, tinha um cowboy de nome Roy Rogers, daí associava meu
velho com o herói em quadrinhos.
O velho Rói começou
como ajudante de maquinista. Era ele que, com seus braços fortes, alimentava as
fornalhas – na época o trem era a vapor, tocado a lenha que ficava
empilhada logo atrás. Eu, menino, tinha a maior admiração por meu pai, me
lembro de que tinha quatro anos de idade quando ele foi transferido para a
cidade de Cajuru.
Morávamos na
colônia da companhia e a linha férrea passava a poucos metros da nossa casa, em
frente a uma enorme caixa d’água que abastecia todos os trens. Alçi eu brincava
com meu irmão Rubens, que apelidei de “Du” por ter dificuldade de pronunciar
seu nome. Na época, Du estava com dois aninhos, mostrava pra ele nosso pai
comandando a heroica maria-fumaça, que fazia muito barulho e soltava fumaça por
todos os lados, dizia eu, todo orgulhoso, ao meu pequeno irmão:
“Du, é nosso pai
que está ali dentro, é ele que faz este enorme trem andar”, dizia. E lá ia o
velho Roi se distanciando, nos olhando, e antes que a maria-fumaça sumisse numa
curva ao longe, nosso pai acenava e abanava seu quepe, voltando dias depois. A
velha máquina era lenta e qualquer distancia, por mais perto que fosse, o
retorno era demorado.
A vida seguiu e
vieram modernas locomotivas, mas deste conforto meu velho pai pouco desfrutou,
ficou doente e nos deixou faz muito tempo, tempo que nem percebi, pois o sinto
sempre por perto e sei que de onde ele está, torce por mim. Meu pai criou seis
filhos honestos. Vejo na TV algumas pessoas serem rotuladas de herói, daí
lembro-me do velho Rói e falo baixinho só pra mim: “Herói? Herói foi meu pai.”
* Cantor e compositor
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