segunda-feira, 16 de junho de 2014

Por favor, cante ‘Honda’

Bueno *

Nesta minha crônica, vou dar umas pinceladas sobre as pérolas que, via garçons, chegam às mão dos cantores da noite. São pedidos de músicas de clientes, e muitas vezes o cara não sabe o nome da canção, escreve apenas pedaços da letra e às vezes o intérprete tem que ser adivinho.
Chegam em papéis de comanda, em guardanapos e até em bolachas de chope. Veja o titulo acima – “Por favor, cante ‘Honda’”. Na verdade, o cara quis dizer “Ronda”, e quem recebeu o aviso foi meu querido amigo Paulinho Brasília, um dos maiores cantores do Brasil. Ele também é compositor de gosto refinado, tenho um CD dele que não empresto pra ninguém porque não volta, sempre o revisito, sua obra é genial.
Neste bilhete o cara pedia a Paulinho para cantar uma das músicas mais requisitadas na noite, perdi a conta de quantas vezes a cantei, seu autor é o saudoso Paulo Vanzolini, cientista da USP, boêmio, compositor que não sabia nem tocar violão. Fazia as músicas trabalhando ou tomando cerveja, e quem as harmonizava era o também saudoso Adauto Santos, cantor das noites paulistanas.
Outra música que chegou em bilhete para Paulinho foi “Chão de gesso”, na verdade o solicitante quis dizer “Chão de giz”, de Zé Ramalho, essa até que dá pra associar, porque imagino ser do gesso que se tira o giz (rsrsrsr). Outra: “Por favor, cante um sambinha do Belchior”. Paulinho riu e até disse: “Belchior não canta nenhum samba, nem sambinha.”
Certa noite, o garçom sobe ao palco e entrega para Paulinho um guardanapo com um pedido que ele considera a campeã das pérolas: “Por favor, cante ‘No mandiocal’.” Paulinho pensou ser uma música sertaneja, e como nada canta dessa praia, segurou a onda. Passado algum tempo veio o mesmo pedido, Paulinho ignorou e o cara, inconformado, mandou outra vez: “Cante ‘No mandiocal’.”
Daí Paulinho passou a mão no microfone e perguntou de quem era o tal pedido. O cara se levantou, foi até o palco e nosso cantor, gentilmente, perguntou que música era essa que ele nunca tinha ouvido falar. O cara respondeu: “Mas como, Paulinho?!?! Você sempre a canta aqui.” Paulinho, indignado, disse: “Não pode ser, amigo, cante só um pedacinho, vou ver se identifico.” E o cara mandou ver: “No, no mandiocal.”
Paulinho teve um acesso de riso incontrolável, o sujeito não sacou o porquê, nosso artista precisou pedir intervalo até se recompor. Depois voltou ao palco e cantou “No woman no cray”, de Bob Marley, que Gilberto Gil canta em português –“Não, não chores mais”. Paulinho, meu amigo, você tem razão, essa é gol de placa.
Outra do Paulinho. O garçom lhe entrega um guardanapo com outro pedido musical, para cantar “Ao sair do avião”, de Djavan. Nosso cantor quase caiu do seu famoso banquinho lá do Bar Mania, riu um pouco e depois disse ao microfone: “Olha, esta música chama-se somente ‘Açaí’.” Na verdade, a cliente decorou um pedaço da letra e a adotou como se fosse seu nome, porque o refrão da música diz “açaí, guardiã”, e a moça entendia “ao sair, do avião...”
Essa quem me contou foi Beto Godoy. Ele havia gravado a música “Vida cigana”, que tocou muito nas nossas rádios FMs, e uma noite cantava num bar quando uma moça lhe mandou um bilhete dizendo: “Por favor, cante ‘Vida Cigana’, de Beto Godoy.” Ele riu um bocado e ela sequer imaginava que era o próprio autor quem estava ali.
Se você tem o hábito de ler minhas crônicas e noite dessas estiver num bar, ao ver o cantor rindo após receber um bilhete do garçom, na certa deve ser mais uma “pérola”.


* Cantor e compositor

Nenhum comentário:

Postar um comentário