Bueno *
Há alguns dias
recebi um e-mail do meu querido e grande amigo Cleto, talentoso publicitário
que também se aventura nas cordas de um cavaquinho. No tempo em que eu cantava
no Restaurante Ponto Chic, ali na avenida Antonio e Helena Zerrener, na esquina
com a rua Amapá, Cleto, frequentador assíduo, armava enorme mesa com amigos e
famílias.
Eles jantavam,
tomavam aquela cerveja no ponto e quando sentia-se no clima, Cleto retirava do
estojo seu cavaquinho – dizia ter sido feito a mão por um artesão carioca. O apelido
do instrumento era “Carioquinha”, é menor que os tradicionais, mas seu som era
de se admirar.
Cleto se acomodava
num canto do palco, abraçava seu pequenino parceiro, olhava pra mim e dizia:
“Buenão, me dá um dó maior.” Em seguida atacava com sua música preferida,
“Carinhoso”, de Pixinguinha, com letra de João de Barro, o “Braguinha”. Eu o
acompanhava com meu violão e meu parceiro Gercinho na timba.
Esta música foi
escolhida como a canção do século, concorrendo com grandes clássicos
brasileiros, ela ganhou de goleada. Pixinguinha a compôs em 1917 e sempre a
tocava em suas apresentações. Por onde fazia shows, Braguinha, que na época era
um jovem advogado, ia prestigiar e ouvir a música que tanto adorava, até que em
1931 pediu autorização ao músico para colocar letra em “Carinhoso”, que até
então não tinha. Assim nasceu este clássico brasileiro.
Pois bem, no e-mail
que Cleto me enviou, colocou toda sua indignação porque uma agência de
publicidade deste nosso país usou sua música preferida para divulgar certa
marca de carro, mudaram a letra enaltecendo a marca do veículo. Meu missivista
até achou que os caras tiveram uma sacada legal, só não aprovou o fato de que
mutilaram um clássico brasileiro, a letra da música.
Cleto foi até mais
fundo dizendo que certas músicas brasileiras, como esta em apreço, deveriam ser
tombadas como forma de proteção e que a canção “Carinhoso”, cuja letra é uma
obra-prima, não poderia sofrer alteração, nem que fosse para uma situação como
esta, que é apenas temporária. Disse ainda que os autores desta mutilação,
aproveitando este oba-oba da Copa do Mundo em que tal propaganda foi veiculada,
prestaram um desserviço ao Brasil, pois nossas crianças aprenderiam a música
errada.
Finalizou dizendo:
“Buenão, imagine você acordar numa bela manhã e, passeando pelo Centro da
cidade, batesse de cara com nosso Theatro Pedro II com a fachada totalmente
modificada por uma arquitetura linda, moderna, mas apagando todo seu passado
histórico”.
Pois é, querido
amigo Cleto, coloquei seu desabafo no papel e até concordo contigo, fico
imaginando quem da família Braguinha autorizou esta mexida na letra, torço
para que não aconteça mais com outras músicas históricas.
A história que
contei de como “Carinhoso” foi composta vem esclarecer para muitos que não
fazem ideia de como acontecem certas parcerias, e é por isso que em todos os
encartes de antigos LPs e CDs o nome de quem faz a música vem sempre antes de
quem faz a letra, como, por exemplo, “Detalhes”, de Roberto e Erasmo Carlos, “O
bêbado e a equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc, “Sentimental demais”, de
Evaldo Gouveia e Jair Amorim. A música nunca pode ser modificada, mas a letra
sim, e assim segue o jogo...
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Cantor e compositor
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