sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Fio de bigode

Bueno *
buenocantor@terra.com.br
www.buenocantor.blogspot.com

Guardo muitas coisas do meu tempo de menino que valem a pena serem lembradas, como por exemplo, o título de minha crônica de hoje: “Fio de bigode”. Houve um tempo em que não existia garantia maior do que esta, muitas vezes vi meu velho pai repetir esta pequena frase quando se referia a uma negociação, seja ela qual fosse. Em sua simplicidade, dizia ele bem assim: “Olha aqui caboclo, to dando de garantia um fio do meu bigode”. E fazia de conta que tirava um fiapo de seu cerrado bigode. E nem precisava porque preservar o nome era o que se tinha de mais sagrado naquela época, era tipo código de honra.
Hoje, eu aqui do alto dos meus 66 anos e já batendo na porta dos 67, pois dia 18 de outubro está a pouco mais de um mês, outra vez revisito o fundinho da gaveta da minha memória para assim falar de Rosemiro Bueno, o velho Roi, meu pai. Quando ele fez 50, eu o olhava sentado em sua confortável poltrona e o via pitando seu cheiroso cigarro de palha. Dizia que o fumo era goiano legítimo. Também tinha a mania de fazer três coisas ao mesmo tempo, como ouvir seu velho radinho de pilhas e ler seu jornal com a TV ligada.
Daí eu pensava: “Poxa!!! Meu pai está velho...” Ele viveu mais alguns anos e nos deixou antes de fazer 60, e eu hoje com quase 67 ainda tomo banho sozinho (rsrsrsrsr), dobro as pernas nos joelhos para lavar os pés, não dou mole pra minha pressão, sempre a controlando, tomo minha deliciosa cervejinha, canto, componho, escrevo, caminho quase que diariamente cinco quilômetros e sigo o conselho de Zeca Pagodinho... Deixo a vida me levar.
Meu velho se aposentou precocemente, a terrível doença de Chagas que inchava seu coração o levou. Dizia ele que quando menino morava na roça, na região de Altinópolis, sua casa era de pau-a-pique e o bicho barbeiro, transmissor da doença, fazia pequenos buracos na parede para se proteger. Meu pai e outros meninos colocavam seus dedinhos para que os barbeiros picassem, dizia ele que fazia cócegas, essa brincadeira de criança custou-lhe a vida.
Nós morávamos ali na rua Santo Amaro nº 332, na Vila Amélia, que chamo de “Grande Vila Tibério”. Meu pai era maquinista da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro, que ocupava todo espaço desde a rua Luiz da Cunha até a Câmara Municipal. Onde hoje é o Parque Maurílio Biagi havia um enorme barracão em forma de mini Maracanã onde as máquinas entravam, além de um equipamento monstruoso que as virava em sentido oposto para que engatassem do outro lado da composição. Onde está a estação rodoviária, o Pronto Socorro Central e a Praça Schimit era toda extensão da linda da estação ferroviária.
Como filho homem mais velho, com 12 anos já tinha minhas responsabilidades. Carne em casa era só aos domingos, e era eu quem ia até o açougue comprar um quilo de paleta. Voltando pra casa, tirava uma lasquinha, passava sal e colocava na chapa do fogão a lenha e me deliciava com aquele pedacinho. Também era eu quem ia ver a escala do meu pai lá na Mogiana, a entrada de funcionários era pela rua Elpidio Gomes (rua passa atrás do Parque Maurílio Biagi), havia uma guarita bem ali onde nasce a rua Aurora, às vezes ficava naquele alto vendo as viradas das máquinas.
Meu pai tinha outras tiradas que levo comigo, como quando via uma criança fazendo alguma arte logo dizia, sacrificando a língua portuguesa: “É de pequeno que se troce (torce) o pepino”. Do meu velho pai levo muitos ensinamentos e os passei para meus filhos e netos, tomara que sigam esses exemplos. Honrar seus pais e amar seus irmãos é obrigação, mas que continuem dando como garantia o fio do bigode.

* Cantor e compositor

Nenhum comentário:

Postar um comentário