domingo, 26 de fevereiro de 2012

Histórias do Rei Roberto Carlos

* Bueno
buenocantor@terra.com.br
www.buenocantor.blogspot.com

Nunca ouvi alguém falar algo que desabonasse a trajetória de Roberto Carlos, a não ser o fato dele não ter se engajado na turma de esquerda no tempo da ditadura – ele nem gosta de tocar no assunto. Quando é abordado, simplesmente responde que Deus lhe deu esse dom, o de cantar, levar mensagens em forma de música por todo nosso país.
Foi o que ele fez, passou pelo período de repressão compondo, escrevendo letras lindas, cantando e não se metendo em encrencas e, por isso, recebeu muitas críticas da classe artística. Roberto seguiu sua vida como se estivesse seguindo um roteiro dirigido por Deus.
Caetano Veloso era um dos que o criticavam e, ironicamente, foi o cara que recebeu uma das maiores homenagens que alguém pode receber. E ela veio de Roberto Carlos, na bela canção Debaixo dos caracóis dos seus cabelos.
Escrever versos é meio que difícil, muitos tÊm certa facilidade... agora, escrever versos e compor uma música em cima é uma coisa que considero meio que angelical, um sopro dos céus... Compor uma música é um momento sublime, às vezes ela chega sem que a gente possa perceber e de repente nos invade, já sai pronta. Aconteceu varias vezes comigo e uma delas foi quando compus Natal de verdade, a pedido de Wilson Toni e José Fernando Chiavenato, compondo-a em menos de cinco minutos.
Letra e música nasceram juntas e o meu filho Lucas Bueno fez um arranjo lindo, coisa de gente grande, eu nem acreditava no que estava acontecendo. Quando vi, a canção já estava pronta, mas só tive a certeza de que ela era bonita quando meu neto, na época com dois aninhos, a ouviu sob meu olhar.
Ele estava de cabeça baixa e quando se virou, lágrimas escorriam pelo rostinho. Naquele momento senti que tinha recebido um presente vindo dos céus. Portanto, tenha certeza, se um dia você receber uma música de presente, saiba que fez parte de um momento raro da vida de um compositor, saiba que estará recebendo algo que não tem preço, algo que não se compra e que participou de um momento de extrema graça de um compositor que teve a felicidade de ser escolhido.
Veja você, na época da repressão, Caetano foi curtir férias forçadas em Londres, uma cidade cinzenta, fria pra caramba, gente estranha por todo lado...Isso para um baiano acostumado a viver num país tropical, criado sob o sol da Bahia e vivendo no Rio de Janeiro. O estilo europeu era quase a morte. E lá, hibernado na maior solidão, recebeu a visita de Roberto Carlos, que passou a mão num violão e lhe disse: “Caetano, fiz essa música pra você”. E soltou o gogó: ”Um dia a areia branca, seus pés irão tocar, e vai molhar seus cabelos, a água azul do mar, janelas e portas vão se abrir, pra ver você chegar, e ao se sentir em casa, sorrindo vai chorar... debaixo dos caracóis dos seus cabelos, há uma história pra contar, de um mundo tão distante... debaixo dos caracóis...”
Antes que o Rei acabasse de cantar a música, Caetano já estava em prantos e, num forte e demorado abraço. os dois choraram muito. A partir daquele momento foi passada uma borracha em todo o passado.
Alguns anos depois, com a democracia restabelecida no Brasil, Caetano e Roberto se cruzaram em um corredor da TV Globo e o baiano, olhando a cabeleira do Rei, disse: “Pô, Roberto, o tempo passa e você não envelhece, hein, amigo?”. E no papo Roberto lhe pediu uma música para gravar. Caetano não demorou nem uma semana e mandou para o Rei a maravilhosa Força estranha, que no ultimo verso contém uma frase inspirada no encontro com Roberto...”Eu vi muitos cabelos brancos, na fronte do artista, o tempo não para e, no entanto, ele nunca envelhece...”
Eu adoro cantar essa música e o Roberto a cantou em todos os shows dele que fui até hoje. Contou-me meu amigo Wanderley, pianista do Rei, que no camarim ele a canta várias vezes antes de subir ao palco, servindo de parâmetro para que teste a afinação de sua voz, já que ela começa em tom grave, mas quando entra na segunda parte, tem que soltar o gogó, amigo, tem que se buscar “lá no quinto andar”, mas é sempre muito gratificante poder cantá-la.
De Roberto tenho muitas histórias, mas deixe para a próxima.

* Cantor e compositor

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