quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Henrique Bartsch e a guitarra dos Mutantes


 
* Bueno
buenocantor@terra.com.br
www.buenocantor.blogspot.com

Conviver com grandes perdas... Acho até que estou ficando calejado com esse triste convívio. Senti tanto as duas últimas que somente hoje criei coragem para escrever a respeito delas. Falo das “partidas-despedidas” de Henrique Bartsch e Sócrates. Hoje quero escrever sobre Henrique, do Magrão escrevo em outra oportunidade, até porque estava me refazendo da precoce partida de Henrique quando Sócrates foi chamado pelo Pai maior e também se mandou...
Mas, são duas pessoas que amo e de quem sempre fui megafã, marcaram profundamente a minha vida. Fico pensando no que me disse Dodô, amigo antigo também da Vila Tibério, quando dia destes cruzei com ele no centro, perto do Palace: “Buenão, pessoas como Henrique, Sócrates, são artistas escolhidos por Deus para vir à Terra, dar um show e voltar, amigo...” Dodô acertou na mosca.
Sou três anos mais velho que Henrique e me lembro da gente adolescente na Vila Tibério, eu aprendendo a tocar violão e guitarra, os Beatles estourando no mundo todo, mudando costumes e revolucionando a música. Henrique tinha formação clássica de piano e, sempre muito talentoso, também se rendeu à nova onda e passou a tocar guitarra, violão 12 cordas e baixo.
Ele conseguia tirar as músicas com os acordes iguais a John Lennon e Paul McCartney, minha geração o tinha como nosso mestre e quando era lançada uma música nova dos meninos de Liverpool, nós corríamos até a casa do Henrique, ali na rua Rodrigues Alves, que naquela altura já a estava tocando, cheio de domínio, paixão e talento, como sempre!
Ele, com carinho e paciência, nos passava acorde por acorde e também os solos de guitarra do George Harrison, e fazíamos aquela festa quando conseguíamos tocar igual ao disco. Ah... Os velhos e inesquecíveis LPs!! Henrique era pouco mais que um menino e já era respeitado na Vila Tibério como um grande músico. Daí para montar seu primeiro conjunto foi apenas um passo.
Nascia o “Grupo 17”, tendo Johnny Oliveira como sócio. Este conjunto teve várias formações, mas sempre com a mesma pegada, a mesma qualidade! A cidade estranhou quando mudaram o nome para “Grupo Nós”, mas, acabamos nos acostumando e aí está ele hoje sobre o comando de Rafael, filho de Johnny, e de Caetano, filho de Henrique.
Na mesma época, surgia em Sampa “Os Mutantes”, que tiravam um som de suas guitarras que nós, por mais que tentássemos, não conseguíamos, até que descobrimos que um irmão de Arnaldo, engenheiro eletrônico, usava seus conhecimentos fabricando um aparelho que modificava o som das guitarras: o mistério foi desvendado!
Hoje, para a alegria dos músicos, existe uma pequena maleta cheia de pedais, chamada de pedaleira, em que o músico, tocando a guitarra, tira até som de violino, basta dar um toque num pedal.
A vida seguiu até que surgiu na cidade um comentário de que Henrique e Johnny compraram uma das guitarras dos Mutantes. Foi aquele auê, todo mundo queria ver a tal guitarra e eu mesmo fui conhecê-la tempos depois, tamanho era o ciúme que eles tinham dela e com razão, era mesmo uma preciosidade!
Quando comecei meu projeto de cantar grandes nomes da música brasileira aqui em Ribeirão Preto, ao cantar o repertório de Roberto Carlos ou Fagner, morria de vontade de convidar Henrique para tocar na banda, mas meu desejo esbarrava na altura do cachê que ele poderia pedir, até que me enchi de coragem e lá fui eu convidá-lo. Antes de perguntar de quanto seria sua paga, ele surpreendeu-me, dizendo: “Mas que honra Buenão, somos amigos de mocidade, pouco tocamos juntos, não perco essa oportunidade por nada e não quero nem cachê, só quero uma mesa na cara do gol para minha família”.
Os outros músicos nem acreditavam que Henrique estava no time, e ele, como sempre, prestativo, colocou à disposição seu estúdio para ensaios e fomos para o show.
Passamos o som à tarde e eu nada vi de novo. Logo mais à noite, num Bar do Val superlotado, músicos chegando, vejo Henrique tirar de um velho estojo uma guitarra. Ele a colocou num cavalete com todo cuidado, logo me aproximei e ele disse: “Buenão, vais cantar ao som da guitarra dos Mutantes, amigo!!!”
No meio do show não perdi a chance e a emoção de apresentar para nosso público a guitarra que tirava nosso sono na época da Jovem Guarda... Querido amigo Henrique Bartsch, essa crônica é para você.

* Cantor e compositor

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