sexta-feira, 18 de outubro de 2013

O tempo é um escultor

Bueno *
buenocantor@terra.com.br
www.buenocantor.blogspot.com
 
E não é que é mesmo? O tempo é um grande artista, ele vai nos moldando dia a dia. Para alguns é implacável, detona o cara de uma maneira que até parece ser obra de um escultor de fundo de quintal. Para outros ele é generoso, capricha na obra.
Tião do Violão, meu parceiro de tantas, tem uma virtude da qual tiro meu chapéu: a de ser um bom observador, não perde nada que acontece a seu redor, tem também memória privilegiada. Ele rebusca coisas em sua cuca lá do nosso tempo de juventude. Foi justamente ele que levantou esta parada sobre o tempo. Estávamos no Bar do Bim, nosso amigo de ginásio, jogando conversa fora e cerveja dentro, quando passou na calçada uma mulher meio que detonada, na faixa dos 60, ela com seu um metro e setenta, mais ou menos, um pouco obesa e sua vestimenta em nada ajudava para melhorar o visual.
Tião bateu o olho e logo veio com essa: “Buenão... você viu quem é ela???” Disse: “Não me lembro, não, Tião.” E ele: “Cara, é a Marilda, a nossa mis do Colégio Eugenia Vilhena de Moraes. Lembrou agora???” E eu: “Karaca, meu!!! Não é possível, Marilda era um avião, uma gata por todos desejada, seu corpo era uma verdadeira obra de arte da natureza, como é que pode estar nesse bagaço, amigo??!!
Bim, com sua toalha no ombro, palito no canto da boca e que a tudo assistia, nos acompanhou até a porta, olhou a retaguarda da mulher e confirmou ser mesmo a Marilda, até disse que ela mora por perto.
Voltamos a nossa mesa, fizemos alguns segundos de silêncio e de repente Tião falou: “Buenão, veja o que é o tempo, ele é um ‘escultor de corpos’.” Emendei: “Tião, lá vem você filosofar de novo, amigo”. E ele:  “Buenão, lembro-me como se fosse hoje da Marilda desfilando na passarela da Cava do Bosque, com aquele maiô azul celeste, arrasando com a concorrente que também era linda, mas nossa mis levou dez em tudo.” “Tião”, disse eu, “bem lembrado, cara, naquele tempo tínhamos um amor inexplicável pelo colégio e nossos mestres, coisa que hoje em dia não mais existe, e aquela competição marcou época, fez história, movimentava a cidade, as emissoras de rádio davam a maior cobertura com transmitissão ao vivo, era um tempo em que a TV ainda gatinhava por aqui.”
Bim, antenado em nosso papo, lembrou: “Gente... mas que turma genial tínhamos no velho Vilhena, como esquecer Bebeto, Paulo Garde, Gilmar, o talentoso Heleno, que naquele dia na Cava do Bosque estava vestido de mulher, mal conseguia se equilibrar naqueles sapatos de saltos enormes, e juntos dançamos um samba de gafieira, levamos dez de todos os jurados, e aquele vestidinho que Heleno usava, se fosse hoje, seria como os das atuais piriguetes (rsrsrsrsrsrs)”.
Como dizia Gonzaguinha em seu lindo samba Mesa de Bar, imortalizado na voz de Alcione: “Mesa de bar é lugar pra que é tudo que é papo da vida rolar...” E é mesmo, é por isso que gosto de papo de bar, papo que às vezes surge do nada como esta história de hoje sobre o tempo e suas esculturas. Tem um samba de Nelson Cavaquinho em que ele diz: “As rugas já fizeram residência no meu rosto”. Vejam só que coisa linda o tempo agindo. O polêmico cantor e compositor Juca Chaves escreveu a canção A idade não tem culpa, uma critica aos homens já coroas que trocam suas esposas por meninas novinhas, perdendo o prazer de envelhecer ao lado da mulher amada, descobrindo no dia a dia uma nova ruga em seu rosto esculpida pelo tempo. Linda esta sua música, poesia pura.
Eu demorei 34 anos para compor pra minha esposa uma canção, pois queria que fosse a minha mais bonita música, daí nasceu Nossos Girassóis, que é nossa história. Na última frase escrevi: “E hoje... a neve tinge meus cabelos, a vida passa e sou cada vez mais apaixonado por você”. O tempo... o artista... E por falar em mesa de bar, combinei uma parada com o Chiavenato, mas estamos sem agenda (rsrsrsrs).
 
* Cantor e compositor

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