sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Roubaram a mulher do Noel


* Bueno
buenocantor@terra.com.br

Quem não se lembra de um antigo dito popular: “Sempre que surgia um palhaço no picadeiro, de qualquer circo armado, em qualquer canto deste nosso Brasilsão, ele mesmo gritava com sua voz estridente, mas cômica: ‘E o palhaço,. o que é???’”. E a plateia, num só coro, respondia: “É ladrão de ‘muié’!!!” E o riso estampava no rosto de todos, principalmente de nossas crianças.
Quem me conhece sabe o quanto gosto de contar causos, principalmente do que rola no meio da música popular brasileira. Confesso que tenho uma pontinha de inveja de quem viveu décadas atrás, onde o malandro tinha até certo trânsito em rodas de prosa, contando ali suas peripécias, sem com isso despertar ódio das pessoas. Ah!, esse era o bom malandro, alguns até o admiravam, tempo em que se vivia uma boemia sadia e cheia de inspirações, enfim, tempos de Noel Rosa.
Um contemporâneo de Noel, também de sacadas geniais, era Nelson Cavaquinho, que ganhou esse apelido porque, por onde ia, lá estava com seu fiel cavaquinho. Era um boêmio queridíssimo, daqueles de sair de casa para comprar leite na padaria e voltar dali a uma semana. Seu pai era sargento da Polícia Militar carioca, e como naquela época para ser PM não se exigia muitas virtudes, seu velho deu uma ajeitada e lá foi Nelson assentar praça na Cavalaria. Montado em seu companheiro, revólver na cintura, cavaquinho no ombro, ia patrulhando os morros do Rio de Janeiro. E sabe como é, nos morros existiam dezenas de “vendinhas”, onde o produto mais procurado era a cachaça. Nelson não resistia, descia do cavalo, empunhava seu cavaquinho, cantava seus sambas e de cachaça em cachaça acabava ficando de pileque. Seu cavalo, conhecedor “décor” do caminho, acabava por voltar sozinho para o quartel. Resultado: como ele não tomava jeito, acabou sendo expulso da PM.
Acho que o causo campeão sobre Nelson Cavaquinho é aquele em que ele, certa noite, acordou lá pela meia-noite super­as­sustado, pois estava tendo um pesadelo: sonhava que ia morrer às 3 da manhã. E quem disse que ele dormiu o resto da noite??? Nelson Cavaquinho, medroso como ele só, olhava o relógio e os ponteiros iam avançando, ele com os olhos arregalados como se tivesse tomado um choque, só de olho no lance, e quando faltavam 10 minutos para as três, ele tomou uma decisão “cavaquinhesta”: atrasou o relógio em duas horas e assim foi até o sol bater em sua janela. E ele a acreditar que “a sua hora de subir não tinha chegado”, para seu alívio e da MPB também!
Voltemos a Noel, que compôs sambas que parecem terem sido feitos recentemente, pra não dizer hoje. Um samba seu que gosto muito é Onde está a honestidade, isso tem mais de 70 anos. Lendo jornais e vendo TV ultimamente, sinto ver Noel rindo, tipo: “Olha eu aí...Nunca fui tão atual na minha escrita, amigo”.
Mas Noel, dois anos antes de morrer, produziu muito, até parecia perceber que seu tempo de validade estava se expirando, mesmo assim não deixava a boemia de lado. Quando seus dois pulmões foram atacados ferozmente pela tuberculose, resolveu ir para a casa de seus tios em Belo Horizonte, na esperança de que com a mudança de ares sua saúde arribasse. Nessa, precisou casar-se meio que forçado com Lindaura Martins, passando com ela quatro meses na capital mineira. Mas, como todo boêmio que se preza, Noel tinha uma amante, Ceci, que era de quem ele gostava com loucura. Ela trabalhava num cabaré da Lapa carioca.
Voltando de Belo Horizonte meio revigorado, mas não curado, correu a procurar por Ceci e, para sua surpresa, ela já estava de novo amor. E surpresa maior ainda, o novo amante era seu amigo  (mui amigo), o ator, cantor e compositor Mario Lago.
O romance entre Noel e Ceci começara numa noite de São João e saudosas lembranças começaram a povoar a cabeça do poeta da Vila Isabel, fazendo fluir sua veia musical. E ele compôs coisas lindas para sua amada, dessa ninhada saiu a joia Ultimo desejo, onde retrata sua história com Ceci. “Nosso amor que não esqueço, e que teve seu começo... Numa festa de São João... Morre hoje sem foguete... Sem recado e sem bilhete... Sem luar e sem violão...”  Quem a nunca ouviu ou nunca cantou essa maravilha não sabe o que está perdendo.

* Cantor e compositor

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