sábado, 6 de agosto de 2011

De Tabela

Meus amigos,
Meu amigo, José Neumanne Pinto, jornalista, poeta e escritor, em seu poema "De Tabela" presta justa homenagem a dois gênios da bola, Sócrates e Zico,  cuja seleção de 82 que muito embora não tenha ganho o caneco ninguém a esquece.
Boa leitura.
Buenão.


De tabela

José Nêumanne Pinto

Sócrates bebe a bola
como a cicuta:
um gesto fatal.

Já Zico a vê
como o destino:
amplo e franzino.

Em ambos sobra a arte
de Gal Costa ao chutar um agudo
e de Benny Carter agarrando o sax.

Zico despe a dez
como um estigma
e a nota.

Sócrates veste a oito
como um fantasma
e a multiplica.

A ambos ocorre o sentimento
de Amelinha ao inspirar “Frevo Mulher”
e do almuadem Fagner que berra aboios.

Sócrates escoiceia a bola
como a perna fosse foice,
alavanca de mover o mundo.

E Zico a engole fundo
na távola redonda,
com fome do mundo.

De ambos fica a sabedoria
de a saber no prumo porque torta
e de caber na rima porque gorda.

Conforme Zico, o tempo da bola
emerge do passado, some no futuro
e é só presente.

No tiro de Sócrates,
o espaço entre a bola e a malha
não o mede a vã filosofia.

Para ambos, não é segredo
se Zé Ramalho administra o apocalipse
e Roberto Carlos repropõe “Ternura antiga”.

Brasileiro e Oliveira,
a grama é céu pra lua
de seresta e baile.

Coimbra e Antunes,
pássaro sem asa,
carrasco na vítima.

Com ambos vêm paramentos
que vertem a paixão do povo
em vinho de missa.

A espora de Zico
na ponta da bota
prolonga o urro da multidão.

O bisturi de Sócrates
é seu calcanhar de Aquiles
forrado de unguentos.

Por ambos espalham-se as bênçãos e cantos
como Bob Dylan é limo da pedra que rola
e John Lennon se assassina na própria luz.

Sócrates tem manobras
de espadachim,
o quinto dos três mosqueteiros.

Zico doma o jogo
como Stendhal:
com luto e fúria.

Só a ambos o gol sempre revela
o lugar imponderável
do encontro das paralelas.

(Solos do Silêncio: poesia reunida, Geração Editorial, São Paulo, 2002)

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