Bueno *
O tempo, tempo que,
às vezes, parece uma eternidade e, em outras, apenas alguns minutos, parece que
voa aqui na terra, tanto que no dia 17 de agosto de 2014, domingo próximo, este
tempo será de nove anos sem meu amado filho Lucas Bueno.
Já escrevi crônicas
aqui e, ao botar no papel, emocionei-me. Desta vez vou tentar não chegar a
tanto, até porque, notícias que recebo e que vêm do outro lado da vida, dão
conta de que Lucas está superbem, ele faz parte da equipe de jovens que o
socorreram no acidente daquela manhã, na estrada que liga Ribeirão Preto a São
Carlos, meu filho foi o último a integrar a equipe.
Hoje, onde acontece
acidentes em que jovens vêm a falecer, lá está ele com seus amigos levando
esclarecimento para suas chegadas em outro plano. Muita gente não acredita, mas
eu não tenho nenhuma dúvida.
Muitas vezes me
peguei analisando atitudes dele antes de sua partida e hoje até acho graça,
como o dia em que parou em frente à nossa casa e, quando abriu a porta, vi a
chave de roda do lado do seu banco. Perguntei: “Lucas, o que esta chave está
fazendo aí, meu filho? O lugar dela é junto ao estepe.” E ele, mudando seu
humor, disse: “Ô, pai, deixa pra lá”.
Quando ele saiu de
perto, sua namorada me falou, quase em murmúrio, que ele tinha a mania de parar
o carro de repente e reapertar as rodas. Isto me deixava encucado e hoje até
acho graça. Divirto-me muito ao lembrar de nossas brigas musicais, que me
deixavam com a cuca fervendo às vésperas de algum show, em que sempre cantava
um grande nome da nossa MPB.
Agendava as
apresentações com três meses de antecedência, Lucas me auxiliava a escolher o
repertório, depois num CD gravava música por música seguindo a sequência do
show e entregava uma cópia para cada músico, junto com o a relação que ele
batia e xerocava.
Marcamos um show
para o Bar do Val, “Bueno canta Chico Buarque”. Os dias passavam, em casa eu
observava Lucas que parecia não se preocupar em “tirar” as músicas, e como sei
que as harmonias das músicas do Chico são supercomplicadas, fui falar com ele,
que não aceitou minha cobrança.
Armamos um barraco
daqueles de pai e filho, e no auge do bate-boca ele disse: “Arranje outro
pianista, eu não vou tocar com você.” Na hora da raiva, emendei que também não
o queria mais no palco. Quando a poeira baixou cai na real de que não teria
tempo hábil para outro nomear um substituto. Minha primeira-dama tentava
convencê-lo a recuar, e nada.
No dia seguinte, já
bem humorado, ele perguntou se eu já tinha encontrado um novo pianista, pois
ele tinha que passar-lhe as músicas. Daí joguei pra cima dele uma conversa
cheia de “rasgação de seda”, tipo: “Olha, Lucas, até que encontrei, mas um
pianista como você não existe, meu filho, o músico do show tem que ser você.”
Percebi que meu
argumento mexeu com seu ego, daí ao xeque-mate foi um segundo, ele riu cheio de
orgulho, pois também não queria ficar fora e na hora me disse: “Pai, vamos
marcar o estúdio para os ensaios.” Só sei que este show foi um dos últimos na
companhia dele, parece que alguém lá de cima me dizia: “Buenão, grave este
show”. Foi o que fiz, não tenho dúvidas de que foi nosso melhor show, até
Sócrates ficou empolgado, subiu no palco e cantou “A Rita”, de Chico Buarque.
Por estas e outras
histórias contadas aqui, a vida segue e saudades surgem do nada apertando meu
peito, porém, sei que tem que ser assim, também sei que ele está sempre por
perto, olhando por mim.
Na semana passada,
quase nove anos depois, me chega a notícia de que a rua dois do “Condomínio
Colina do Golf” irá se chamar Rua Lucas Eduardo de Melo Bueno... Meu filho terá
seu nome eternizado.
*
Cantor e compositor