Bueno *
Nesta minha
crônica, vou dar umas pinceladas sobre as pérolas que, via garçons, chegam às
mão dos cantores da noite. São pedidos de músicas de clientes, e muitas vezes o
cara não sabe o nome da canção, escreve apenas pedaços da letra e às vezes o
intérprete tem que ser adivinho.
Chegam em papéis de
comanda, em guardanapos e até em bolachas de chope. Veja o titulo acima – “Por
favor, cante ‘Honda’”. Na verdade, o cara quis dizer “Ronda”, e quem recebeu o
aviso foi meu querido amigo Paulinho Brasília, um dos maiores cantores do
Brasil. Ele também é compositor de gosto refinado, tenho um CD dele que não
empresto pra ninguém porque não volta, sempre o revisito, sua obra é genial.
Neste bilhete o
cara pedia a Paulinho para cantar uma das músicas mais requisitadas na noite,
perdi a conta de quantas vezes a cantei, seu autor é o saudoso Paulo Vanzolini,
cientista da USP, boêmio, compositor que não sabia nem tocar violão. Fazia as
músicas trabalhando ou tomando cerveja, e quem as harmonizava era o também
saudoso Adauto Santos, cantor das noites paulistanas.
Outra música que
chegou em bilhete para Paulinho foi “Chão de gesso”, na verdade o solicitante
quis dizer “Chão de giz”, de Zé Ramalho, essa até que dá pra associar, porque
imagino ser do gesso que se tira o giz (rsrsrsr). Outra: “Por favor, cante um
sambinha do Belchior”. Paulinho riu e até disse: “Belchior não canta nenhum
samba, nem sambinha.”
Certa noite, o
garçom sobe ao palco e entrega para Paulinho um guardanapo com um pedido que
ele considera a campeã das pérolas: “Por favor, cante ‘No mandiocal’.” Paulinho
pensou ser uma música sertaneja, e como nada canta dessa praia, segurou a onda.
Passado algum tempo veio o mesmo pedido, Paulinho ignorou e o cara,
inconformado, mandou outra vez: “Cante ‘No mandiocal’.”
Daí Paulinho passou
a mão no microfone e perguntou de quem era o tal pedido. O cara se levantou,
foi até o palco e nosso cantor, gentilmente, perguntou que música era essa que
ele nunca tinha ouvido falar. O cara respondeu: “Mas como, Paulinho?!?! Você
sempre a canta aqui.” Paulinho, indignado, disse: “Não pode ser, amigo, cante só
um pedacinho, vou ver se identifico.” E o cara mandou ver: “No, no mandiocal.”
Paulinho teve um
acesso de riso incontrolável, o sujeito não sacou o porquê, nosso artista
precisou pedir intervalo até se recompor. Depois voltou ao palco e cantou “No
woman no cray”, de Bob Marley, que Gilberto Gil canta em português –“Não, não
chores mais”. Paulinho, meu amigo, você tem razão, essa é gol de placa.
Outra do Paulinho.
O garçom lhe entrega um guardanapo com outro pedido musical, para cantar “Ao
sair do avião”, de Djavan. Nosso cantor quase caiu do seu famoso banquinho lá
do Bar Mania, riu um pouco e depois disse ao microfone: “Olha, esta música
chama-se somente ‘Açaí’.” Na verdade, a cliente decorou um pedaço da letra e a
adotou como se fosse seu nome, porque o refrão da música diz “açaí, guardiã”, e
a moça entendia “ao sair, do avião...”
Essa quem me contou
foi Beto Godoy. Ele havia gravado a música “Vida cigana”, que tocou muito nas
nossas rádios FMs, e uma noite cantava num bar quando uma moça lhe mandou um
bilhete dizendo: “Por favor, cante ‘Vida Cigana’, de Beto Godoy.” Ele riu um
bocado e ela sequer imaginava que era o próprio autor quem estava ali.
Se você tem o
hábito de ler minhas crônicas e noite dessas estiver num bar, ao ver o cantor
rindo após receber um bilhete do garçom, na certa deve ser mais uma “pérola”.
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Cantor e compositor