Bueno *
Vila Tibério, fui
menino ali, poxa !!! Já vai longe esse tempo. Dia desses acordei meio que
saudosista, daí comecei a rir feito uma criança quando faz uma arte e ninguém
descobre o autor. Nessa onda abri a gaveta de minha memória, dei uma remexida
bem lá no fundo e, de repente, me vi mais de 50 anos atrás, quando morava na
rua Santo Amaro, na pequena Vila Amélia, que sempre digo pertencer à grande
Vila Tibério.
Tudo que fazíamos
era na famosa vila. Missa no Santuário Nossa Senhora do Rosário, cuja praça em
sua frente chama-se Coração de Maria, praça esta que nas noites de sábado
lotava de jovens. O lance era o seguinte: os homens ficavam parados e a moças
rodavam por aqueles corredores ouvindo galanteios sem fim. Ali vi amigos
iniciarem namoros, outros dando um fim.
Atrás da igreja
rolava uma quermesse que era superfamosa na época, com seus correios elegantes
e tudo mais. Aos domingos à noite o programa era o Cine Marrocos com suas filas
homéricas, hoje ali é um banco. Poxa, o tempo voou.
Cheguei ali na
velha rua Santo Amaro com onze anos de idade e saí com 22 para desbravar o
Jardim Independência. Digo desbravar porque ninguém queria morar lá, era muito
longe. Lá ainda moram um dos meus irmãos e três irmãs. Voltando ao “eu menino”,
entre travessuras e coisas sérias acho que tive uma infância e uma juventude
show de bola. Muito cedo meu velho pai conseguiu meu primeiro emprego, já com
onze anos lá estava eu em uma oficina de bicicleta, onde aprendi todos os
segredos da nossa famosa “magrela”.
Nesse tempo, eu
amante do futebol e sem grana, quando o Botafogo jogava no Estádio Luiz
Pereira, às quartas-feiras, lá ia eu com alguns amigos encarar o exercício de
pular o muro, sempre pelos fundos. Esperávamos o time atacar e a torcida fazer
aquele barulhão, daí o vigia corria até o alambrado para ver a jogada e era
nesse momento que a gente pulava aquele alto muro. Num instante, como um
corisco, estávamos na arquibancada, coisas de um tempo que adorei ter vivido.
Bateu saudades
também do campo da Guanabara, que ficava pouco abaixo de casa. Lá vi grandes
craques dando show. Nos finais de ano, os adultos organizavam uma disputa de
solteiros contra casados e nós, moleques, armávamos um jogo de preto contra
branco, era um tempo de pureza e ninguém pensava nesse tal de racismo tão em
moda hoje, isso passava longe...
Nessa mesma época,
via meu pai e minha mãe devorando uma travessa de alface ou almeirão – eu não
comia nem a pau e só ficava imaginando os dois comendo mato. Numa de minhas
férias escolares, era mês de julho, fui passar alguns dias na casa de minha tia
e madrinha Cezira, na cidade de Casa Branca. Numa tarde, meu primo, da minha
idade, inventou de passarmos a noite no sitio de seus tios próximo à cidade.
Fui na maior alegria imaginando as surpresas da roça. Já no sitio, dei uma
geral e vi que não tinha luz, era lamparina, e meu banho foi numa bica d’água
que vinha de uma mina supergelada.
Eu, morrendo de
fome, imaginava que no jantar viria um delicioso frango ou quem sabe uma leitoa
assada. Nem bem sentamos e a tia de meu primo colocou na mesa arroz, feijão e
de mistura... salada de almeirão temperada com limão cravo. Olhei, pensei um
monte de coisas, mas senti que não poderia pipocar e mandei ver um prato
daqueles de moleque. Resultado, me sai bem...Virei um devorador de saladas.
Hoje, aos domingos,
quando vou à feira da Vila Tibério, na minha sacola não pode faltar o cheiroso
e saboroso limão cravo, e por mais que tente não consigo dar à minha salada o
mesmo sabor que senti naquela noite no sitio. Até hoje sinto na boca aquele
sabor de almeirão com limão cravo.
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Cantor e compositor