sexta-feira, 14 de março de 2014

Pais e filhos

Bueno *

Faz alguns anos, eu estava em Camboriu (SC) e, depois de uma linda tarde, num delicioso bar à beira mar, ouvi pela primeira vez, com Renato Russo e banda, sua música “Pais e filhos”. Desliguei-me do papo dos amigos e me concentrei na letra, até viajei em tudo que ele cantava, senti até pena em alguma parte do que ele escreveu, me coloquei menino em seu lugar, principalmente quando diz “quero colo, vou fugir de casa. Posso dormir com vocês, estou com medo, tive um pesadelo, só vou voltar depois das três...”
Diz também que já morou em tantas casas que nem se lembra mais. “Eu moro com minha mãe, mas meu pai vem me visitar” Esta parte da letra é uma pancada no peito, é muito triste... Foi um dos maiores sucessos de Renato Russo, grande poeta e compositor, e essa música se identificava com muitos jovens de qualuer época.
Eu vejo hoje a situação de alguns amigos e suas histórias, suas relações com seus filhos, daí resolvi escrever esta crônica, começando com a canção de Renato Russo. Um destes amigos descobriu que seu filho, ainda adolescente, estava envolvido com drogas, na época maconha. É a porta de entrada para outros entorpecentes mais letais, e não adianta ninguém querer me convencer do contrário.
Quando via o filho deste amigo usando camisetas do Bob Marley com desenhos de folhas de maconha, até comentei com ele sobre o perigo. Disse que maconha é coisa fraca e que ele logo deixaria o vício. Temos organismos diferentes e não deu outra, se para ele maconha era droga fraca, seu filho também achava e partiu pra cocaína, depois crack e hoje, com mais de 30 anos, este jovem a quem me refiro já passou por dezenas de internações. Tudo isso depois de desestruturar a família, até o carro do pai roubou pra pagar dividas de seus vícios. Continuo vendo a luta de seus pais e torço para que ele se encontre.
Outro dia, lendo uma postagem no Facebook do meu afilhado Júlio Cesar, que é músico do Sambô (sucesso nacional), ele comentou que foi gravar com um amigo de São Paulo uma música sobre pai e ficou super-emocionado, daí contou que seu pai, Paulo Sérgio, faleceu quando ele tinha meses de idade. Júlio escreveu palavras tão carinhosas sobre seu querido pai, que em vida não pode acompanhá-lo, até parecia que o fato não acontecera de tão presente que seu pai ainda é em sua vida.
Júlio Cesar foi criado pela avó, pois a mamãe Conceição tinha que dar duro no batente. Conheci Júlio Cesar ainda menino, fiquei sabendo que ele era de Serrana, cidade vizinha de Ribeirão Preto, e que desde pequenino não escondia sua paixão pela música. Teve aulas de violão com o saudoso Zé da Conceição e de cavaquinho com Carlinhos Machado. Eu acompanhei de perto sua carreira, grandes artistas o queriam como músico, propostas mil para acompanhá-los, mas Deus sempre age e lhe preparou um futuro lindo, alguém o guiava, com certeza era seu velho pai, e o momento certo aconteceu com o Sambô. Como amo este menino, o tenho como filho, e pra mim será sempre um menino.
Quero agora falar de um amigo muito querido que teve vários casamentos, vários filhos, e entre eles um se envolveu com drogas e o mundo do crime, está sempre preso. Quando sai da cadeia, seu pai, que é bem relacionado na cidade, lhe consegue emprego, mas ele sempre pisa na bola, não tem jeito. Este meu amigo, dia desses, em lágrimas me confidenciou: “Buenão, veja como são as coisas, meu filho agora está preso perto de Bauru, mas de todos os filhos que tenho, ele é o único que me telefona e sempre me pede perdão, pede a minha benção, é o único que me fala ‘pai, eu te amo’.” Emocionado, o abracei carinhosamente... E quantas histórias como estas tenho pra contar, quantas...


* Cantor e compositor

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