Bueno *
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Era bem no alto, rua Campos Sales 500, Barra do Una, um belíssimo edifício. Ali morava Sócrates com a família, na cobertura... Poxa!!! Quantas histórias vivi naquele pedaço de concreto que exalava cultura por todos os cantos. Havia telas que ele mesmo havia pintado e outras de Paulinho Camargo, artista plástico de Ribeirão Preto de quem Sócrates era fã. Tudo isso em meio de muitos livros, CDs e troféus que ele ganhara ao longo da carreira, alguns expostos, outros bem guardados.
Dali uma escada nos levava à cobertura, que ocupava toda a área, a piscina ficava numa parte mais elevada, churrasqueira não tinha, mas o dia em que ele cismava de armar um churrasco, como num passe de mágica, surgia uma. Um jardim enfeitava os cantos de toda cobertura, crianças armavam uma pelada no enorme espaço na parte detrás, também um pequeno canteiro dava vida a algumas ervas e verduras.
Sócrates recebia muitas visitas ilustres e todas elogiavam sua morada. Lembro-me de um fim de tarde que avançou noite dentro, varando a madrugada. Estavam Juca Kfouri e José Luiz Datena com suas famílias, Jorge Kajuru com amigos, os filhos do Magrão e mais alguns amigos nossos. Era aquela alegria, essas personalidades contando histórias maravilhosas, sempre bem humoradas, fazendo a alegria de todos, e eu ali me deliciando com tudo, gravando na gaveta da minha memória.
Naquela noite estava muito calor, era mês de fevereiro, entre um causo e outro alguém me pedia para cantar e com prazer eu mandava ver. Num outro final de semana, Sócrates recebeu outro grande amigo dos tempos de boleiro, o lateral esquerdo do Corinthians, Wladimir, que veio com a família.
Vieram esposa e duas filhas, mas o filho Gabriel, na época jogador do Fluminense, não veio. Wladimir foi jogar em Orlândia com o máster do Timão e Sócrates pediu-me para esperá-lo no trevão da Anhanguera. Fui com prazer, afinal ele é meu ídolo. O craque, como sempre, era só simpatia. Ao entrarmos no elevador do prédio, uma moradora o reconheceu e contou a ele toda a admiração da família.
À noite, fomos numa festa de aniversário num prédio em frente ao Shopping Santa Úrsula. Sócrates disse que ia, mas que levaria uns amigos. O cara era inglês, casado com uma brasileira e estava de passagem por aqui. Quando viu em sua festa nossos famosos amigos, se derreteu todo em elogios. O inglês era superligado em futebol e samba, meu violão foi a tiracolo, fizemos lá grande cantoria.
Do Barra do Una até o local da festa são quatro quarteirões e fomos caminhando. Wladimir ficou meio cabreiro, mas nada comentou. Acabou o regabofe, hora de voltarmos e Wladimir perguntou ao Magrão: “Magro, nós vamos voltar a pé???” Magrão respondeu: “Claro, Wlad, é tão perto...” Wladimir perguntou: “Mas você não tem medo de assalto???” Sócrates disse: “Não, ainda não...” Dai Wladimir disse morar na Granja Viana, bairro nobre de São Paulo, e que noites atrás, saindo de casa, ao virar numa das ruas do bairro, do nada surgiram dois caras de arma em punho entrando na frente do carro, obrigando-o a parar e anunciando o assalto. Mesmo com todo nervosismo que invade qualquer um em situações assim, o lateral disse que sorriu pros caras e que foi prontamente reconhecido pelos bandidos. Um deles, surpreso, gritou: “Wladimir!!!! Você é meu ídolo... Você deu a maior alegria da minha vida em 1977, mano, você é nosso grande campeão... Tá limpo mano, tá liberado e se alguém mexer com você aqui, fale comigo que eu resolvo.”
Wladimir seguiu em frente. Disse que tremia tanto que mal conseguia engatar o carro. Outras histórias do Barra do Una tenho pra contar...
* Cantor e compositor
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