sábado, 14 de setembro de 2013

Barra do Una

Bueno *
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Era bem no alto, rua Campos Sales 500, Barra do Una, um belíssimo edifício. Ali morava Sócrates com a família, na cobertura... Poxa!!! Quantas histórias vivi naquele pedaço de concreto que exalava cultura por todos os cantos. Havia telas que ele mesmo havia pintado e outras de Paulinho Camargo, artista plástico de Ribeirão Preto de quem Sócrates era fã. Tudo isso em meio de muitos livros, CDs e troféus que ele ganhara ao longo da carreira, alguns expostos, outros bem guardados.
Dali uma escada nos levava à cobertura, que ocupava toda a área, a piscina ficava numa parte mais elevada, churrasqueira não tinha, mas o dia em que ele cismava de armar um churrasco, como num passe de mágica, surgia uma. Um jardim en­fei­­tava os cantos de toda cobertura, crianças armavam uma pe­lada no enorme espaço na parte detrás, também um pequeno canteiro dava vida a algumas ervas e verduras.
Sócrates recebia muitas visitas ilustres e todas elogiavam sua morada. Lembro-me de um fim de tarde que avançou noite dentro, varando a madrugada. Estavam Juca Kfouri e José Luiz Datena com suas famílias, Jorge Kajuru com amigos, os filhos do Magrão e mais alguns amigos nossos. Era aquela alegria, essas personalidades contando histórias maravilhosas, sempre bem humoradas, fazendo a alegria de todos, e eu ali me deliciando com tudo, gravando na gaveta da minha memória.
Naquela noite estava muito calor, era mês de fevereiro, entre um causo e outro alguém me pedia para cantar e com prazer eu mandava ver. Num outro final de semana, Sócrates recebeu outro grande amigo dos tempos de boleiro, o lateral esquerdo do Corinthians, Wladimir, que veio com a família.
Vieram esposa e duas filhas, mas o filho Gabriel, na época jogador do Fluminense, não veio. Wladimir foi jogar em Orlândia com o máster do Timão e Sócrates pediu-me para esperá-lo no trevão da Anhanguera. Fui com prazer, afinal ele é meu ídolo. O craque, como sempre, era só simpatia. Ao entrarmos no elevador do prédio, uma moradora o reconheceu e contou a ele toda a admiração da família.
À noite, fomos numa festa de aniversário num prédio em frente ao Shopping Santa Úrsula. Sócrates disse que ia, mas que levaria uns amigos. O cara era inglês, casado com uma bra­sileira e estava de passagem por aqui. Quando viu em sua festa nossos famosos amigos, se derreteu todo em elogios. O inglês era superligado em futebol e samba, meu violão foi a tiracolo, fizemos lá grande cantoria.
Do Barra do Una até o local da festa são quatro quarteirões e fomos caminhando. Wladimir ficou meio cabreiro, mas nada comentou. Acabou o regabofe, hora de voltarmos e Wladimir perguntou ao Magrão: “Magro, nós vamos voltar a pé???” Magrão respondeu: “Claro, Wlad, é tão perto...” Wladimir perguntou: “Mas você não tem medo de assalto???” Sócrates disse: “Não, ainda não...” Dai Wladimir disse morar na Granja Viana, bairro nobre de São Paulo, e que noites atrás, saindo de casa, ao virar numa das ruas do bairro, do nada surgiram dois caras de arma em punho entrando na frente do carro, obrigando-o a parar e anunciando o assalto. Mesmo com todo nervosismo que invade qualquer um em situações assim, o lateral disse que sorriu pros caras e que foi prontamente reco­nhecido pelos bandidos. Um deles, surpreso, gritou: “Wladimir!!!! Você é meu ídolo... Você deu a maior alegria da minha vida em 1977, mano, você é nosso grande campeão... Tá limpo mano, tá liberado e se alguém mexer com você aqui, fale comigo que eu resolvo.”
Wladimir seguiu em frente. Disse que tremia tanto que mal conseguia engatar o carro. Outras histórias do Barra do Una tenho pra contar...
 
* Cantor e compositor

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