sábado, 6 de abril de 2013

Boêmios... onde estão?


“A lua é o sol dos boêmios. Criei esta frase para homenagear os amantes do sereno.” Se Nelson Gonçalves voltasse hoje aqui na terra e desse uma volta pelas noites, na certa teria uma grande decepção, os boêmios e a boemia cantada por ele sumiram, pelo menos aqui em Ribeirão Preto... meu reduto.
Sobre os bares, conta-se nos dedos aqueles em que ainda podemos ouvir repertórios boêmios, aqueles que te levam a viajar nas letras inspiradoras, um desamor, uma história cantada e contada com apenas uma voz, uma percussão e um violão. Grandes cantores deste estilo morreram ou deixaram de cantar, até porque não tem mais público para seu estilo musical. Por sorte tenho alguns amigos que ainda não jogaram a toalha e continuam resistindo bravamente ao tempo, estão na ativa cantando aqui e ali e a gente vai descobrindo onde estão e vamos lá colocar os cotovelos na mesa para ouvir o que gostamos.
Os cantores antigos sabiam da preferência musical dos boêmios, e até o momento em que deveriam cantar determinada música, para aqueles que sempre os prestigiaram nas noites. O cantor sabia seus nomes e tudo da vida dos antigos boêmios. Digo isso pela experiência que adquiri cantando por aí, só no Restaurante Ponto Chic cantei 16 anos, ali vi inícios de namoros que davam em casamentos, depois voltavam já com filhos que dormiam em carrinhos ao lado da mesa... Saudades??? Sinto demais!!!
Cantando na noite perdi a conta do quanto interpretei o célebre samba-canção de Adelino Moreira, A volta do boêmio. Considerado o hino dos boêmios e imortalizado na voz de Nelson Gonçalves, desfila todo seu amor pela boemia.
No começo da música, após longa ausência, ele saúda a boemia dizendo estar de regresso e suplica que ela o aceite outra vez, deseja fazer a sua nova inscrição. Em seguida diz: “Voltei, pra rever os amigos que um dia, eu deixei a chorar de alegria, me acompanha o meu violão”. Aí é que digo: Nelson chega empunhando seu pinho, mas vai cantar pra quem??? Os boêmios sumiram, hoje são avós, bisavós e pouco saem de casa, seus filhos estão em outra, mas no coração, velhos amantes da noite carregam o que há de mais puro na sua essência. Continuando a música, ele diz: “Boemia, sabendo que andei distante, sei que esta gente falante, vai agora ironizar, ele votou, o boêmio voltou novamente, partiu daqui tão contente, por que razão quer voltar???”
 A boemia estava aborrecida porque ele a deixou para viver um grande amor e pergunta: “Por que razão quer voltar???” Mas nesta música bateu arrependimento e boêmio que é boêmio sente saudades da vida vivida, daí convence a amada que ela e a boemia são seus grandes amores, e ela pra não perdê-lo sabiamente diz essa coisa linda: “Meu amor você pode partir, não esqueça o seu violão, vá rever os seus rios, seus montes, cascatas, vá sonhar em novas serenatas, e abraçar seus amigos leais... vá embora, só me resta o consolo e a alegria, em saber que depois da boemia, é de mim que você gosta mais”” Já pensou, amigo, esta vida moderna tirou de vez os boêmios de campo, que mulher aceitaria hoje um marido boêmio? Com certeza digo que poucas, a não ser que vá junto.
Caburé, o ultimo boêmio daqui, contou-me que certa noite cantava em um bar e uma fã engraçou-se com ele. Não demorou muito estava sob seus lençóis, de mala e tudo, morava com ela, mas continuava na boemia, até que a moça enciumada lhe deu um ultimato: a noite ou eu...
“Buenão, veja só, cara. Ela me conheceu fazendo o que mais gosto que é cantar, agora quer exclusividade??? Não tive dúvidas, pedi minha nova inscrição na boemia...” Dedico esta crônica aos bravos boêmios que teimam em resistir à mo­dernidade.

* Cantor e compositor

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