sábado, 26 de outubro de 2013

Jorjão ‘pegador’ e a calcinha de renda

Bueno *
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Jorjão, desde muito pequeno, já se destacava em tudo que fazia. Nas peladas com a molecada era o primeiro a ser escolhido, era ele e mais dez. O pivete era o bambambam, muito habilidoso, tratava a redonda como um jardineiro trata uma flor, ele era daqueles canhotos geniais. Aliás, já me fiz essa pergunta muitas vezes: Por que os canhotos são craques diferenciados no gramado??? Jorjão ganhou este apelido no aumentativo pelo seu corpo de estrutura avantajada.
A vida foi passando e Jorjão transformou-se no maior galã da Vila Tibério. Boa pinta que era, passou de caçador a ser caçado pelas piriguetes da época, pois o cara era um conquista­dor nato, com a rapaziada era muito gente boa, amigo pra ninguém botar defeito, sempre de bom humor, sempre prestativo... Além do mais, dançava bem e nas brincadeiras dançantes que a galera realizava na Vila, as garotas chegavam a se revezar pra dançar com o pé de valsa.
Até na parte artística Jorjão dava sua palhinha, tocava violão e cantava muito bem, fazia serenatas pra cada nova namorada conquistada, e tudo isso fez dele um namorador de carteirinha. Mas seus romances não duravam muito tempo, o assédio era incon­trolável.
Nas  rodas de prosa no bar da esquina, Jorjão sempre dizia: “Gente, to pensando seriamente em não me casar, pois tá difícil encontrar uma garota que balance minhas estruturas, que me faça caminhar sem pisar no chão, enfim, que me encante.” Um dia, mal acabara de pronunciar tudo isso, entra no bar uma moça pra comprar chicletes, um tremendo avião, um boeing 747. Jorjão ficou meio que sem chão, paralisado. Assim como entrou ela saiu, deixando Jorjão meio que de boca aberta. O cara do bar disse que a bela era moradora nova do pedaço, veio de fora gerenciar uma empresa de cosméticos. Levantada a ficha da moça, Jorgão partiu para o ataque, e daí para a conquista foi questão de tempo, tempo suficiente pra ele passar uma borracha na ideia de não mais se casar.
Carol era o nome dela, se enturmou fácil. Casamento realizado, Jorjão baixou a bola, estava tão pianinho que a galera começou a sentir sua falta nas cervejas das sextas-feiras e nas peladas dos finais de semana, mas para os amigos o importante era a felicidade deste parceiraço. Devagar, ele acabou voltando, até porque Carol era muito liberal.
Um belo dia, Jorjão estava atrasado para um compromisso, e na pressa para encontrar sua cueca, acabou pegando uma calçinha da Carol, que estava misturada na mesma gaveta, e até disse: “Vou vestir a calçinha da Carol, ninguém vai ver mesmo...” E pá, lá foi ele... Ao atravessar uma rua, Jorjão foi atropelado e morreu e seu corpo foi para o Instituto Médico Legal (IML) para ser reconhecido por parentes.
Quando Carol chegou, quase caiu dura ao vê-lo com sua calcinha... “Não acredito!!!”, disse. “Jorjão com a minha calcinha, a que mais gosto com rendinhas cor de rosa!!! Mas ele nunca fez isso!!! Justo ele que dizia adorar me ver com ela...” Sabem como é, noticia ruim esparrama logo e esta vazou como rastilho de pólvora pela cidade...  Como pode o maior garanhão da Vila Tibério usando calcinha e, ainda por cima, de rendinha!?!?
Velório lotado, o maior quiproquó, os amigos incrédulos com essa história da calçinha que podia pegar até mal pra eles, uns até  pediam pra baixar ali um espírito que pudesse esclarecer esta roubada e nada... Jorjão foi enterrado deixando a plateia na maior sinuca...Será que Jorjão estava no armário????
Passado algum tempo, Cirilo, o mais chegado amigo do morto, foi até um centro espírita e Jorjão incorporou em um médium para esclarecer toda essa confusão, limpando sua barra de Don Juan e a paz voltou na vila com uma grande cervejada.
Agradeço ao meu amigo e ídolo Pelicano por autorizar-me a passar pro papel essa sua criação.
 
* Cantor e compositor

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Sabadell Flash Mob Orchestra - Best Coin Ever Spent


Vejam que lindeza de vídeo!!!



O tempo é um escultor

Bueno *
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E não é que é mesmo? O tempo é um grande artista, ele vai nos moldando dia a dia. Para alguns é implacável, detona o cara de uma maneira que até parece ser obra de um escultor de fundo de quintal. Para outros ele é generoso, capricha na obra.
Tião do Violão, meu parceiro de tantas, tem uma virtude da qual tiro meu chapéu: a de ser um bom observador, não perde nada que acontece a seu redor, tem também memória privilegiada. Ele rebusca coisas em sua cuca lá do nosso tempo de juventude. Foi justamente ele que levantou esta parada sobre o tempo. Estávamos no Bar do Bim, nosso amigo de ginásio, jogando conversa fora e cerveja dentro, quando passou na calçada uma mulher meio que detonada, na faixa dos 60, ela com seu um metro e setenta, mais ou menos, um pouco obesa e sua vestimenta em nada ajudava para melhorar o visual.
Tião bateu o olho e logo veio com essa: “Buenão... você viu quem é ela???” Disse: “Não me lembro, não, Tião.” E ele: “Cara, é a Marilda, a nossa mis do Colégio Eugenia Vilhena de Moraes. Lembrou agora???” E eu: “Karaca, meu!!! Não é possível, Marilda era um avião, uma gata por todos desejada, seu corpo era uma verdadeira obra de arte da natureza, como é que pode estar nesse bagaço, amigo??!!
Bim, com sua toalha no ombro, palito no canto da boca e que a tudo assistia, nos acompanhou até a porta, olhou a retaguarda da mulher e confirmou ser mesmo a Marilda, até disse que ela mora por perto.
Voltamos a nossa mesa, fizemos alguns segundos de silêncio e de repente Tião falou: “Buenão, veja o que é o tempo, ele é um ‘escultor de corpos’.” Emendei: “Tião, lá vem você filosofar de novo, amigo”. E ele:  “Buenão, lembro-me como se fosse hoje da Marilda desfilando na passarela da Cava do Bosque, com aquele maiô azul celeste, arrasando com a concorrente que também era linda, mas nossa mis levou dez em tudo.” “Tião”, disse eu, “bem lembrado, cara, naquele tempo tínhamos um amor inexplicável pelo colégio e nossos mestres, coisa que hoje em dia não mais existe, e aquela competição marcou época, fez história, movimentava a cidade, as emissoras de rádio davam a maior cobertura com transmitissão ao vivo, era um tempo em que a TV ainda gatinhava por aqui.”
Bim, antenado em nosso papo, lembrou: “Gente... mas que turma genial tínhamos no velho Vilhena, como esquecer Bebeto, Paulo Garde, Gilmar, o talentoso Heleno, que naquele dia na Cava do Bosque estava vestido de mulher, mal conseguia se equilibrar naqueles sapatos de saltos enormes, e juntos dançamos um samba de gafieira, levamos dez de todos os jurados, e aquele vestidinho que Heleno usava, se fosse hoje, seria como os das atuais piriguetes (rsrsrsrsrsrs)”.
Como dizia Gonzaguinha em seu lindo samba Mesa de Bar, imortalizado na voz de Alcione: “Mesa de bar é lugar pra que é tudo que é papo da vida rolar...” E é mesmo, é por isso que gosto de papo de bar, papo que às vezes surge do nada como esta história de hoje sobre o tempo e suas esculturas. Tem um samba de Nelson Cavaquinho em que ele diz: “As rugas já fizeram residência no meu rosto”. Vejam só que coisa linda o tempo agindo. O polêmico cantor e compositor Juca Chaves escreveu a canção A idade não tem culpa, uma critica aos homens já coroas que trocam suas esposas por meninas novinhas, perdendo o prazer de envelhecer ao lado da mulher amada, descobrindo no dia a dia uma nova ruga em seu rosto esculpida pelo tempo. Linda esta sua música, poesia pura.
Eu demorei 34 anos para compor pra minha esposa uma canção, pois queria que fosse a minha mais bonita música, daí nasceu Nossos Girassóis, que é nossa história. Na última frase escrevi: “E hoje... a neve tinge meus cabelos, a vida passa e sou cada vez mais apaixonado por você”. O tempo... o artista... E por falar em mesa de bar, combinei uma parada com o Chiavenato, mas estamos sem agenda (rsrsrsrs).
 
* Cantor e compositor

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Difícil explicar

Bueno *
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Muito me marcou uma imagem que rolou pelo Facebook, um registro do velório do ator Claudio Cavalcanti. Muitas pessoas levaram seus animais para dar-lhe adeus. Ele era uma espécie de protetor deles, até porque ocupava o cargo público de secretário da Causa Animal do Rio de Janeiro.
Entre cães e gatos, tinha até um galinho de nome Fred, acho que a dona ou dono torce pro tricolor carioca e homenageou o atacante batiuzando o penoso com o nome do camisa nove. Enquanto os animais se debruçavam sobre o caixão, o galinho Fred saracoteava pra lá e pra cá e a esposa de Claudio até comentou que ele deveria estar se divertindo muito com tudo aquilo.
Vi também nesta semana a imagem de um fiel cão na porta de uma delegacia de polícia. O dono havia sido preso e ele, em posição de alerta, só olhando porta dentro do DP sem nada entender. Na quarta-feira, mais uma imagem linda do reencontro de um soldado com seu cachorro após dois anos separados.  E nessa quinta-feira, em Salvador, outra imagem que balança qualquer um: pedestres tiraram um cão da enxurrada a menos de um metro do bicho ser engolido por uma cratera aberta no asfalto.
Abri a gaveta da minha memória e voltei mais de trinta anos, quando me vi buscando, na fazenda do meu amigo Francisco Faleiros, um filhote de pastor alemão capa preta. Foi o meu primeiro cachorro. De cara, dei-lhe o nome de Lobo, em homenagem ao cachorro do Vigilante Rodoviário, Carlos Miran­da, um de meus heróis. Lobo deixou-me um filho, Swat, lembrando a polícia americana. Swat deu-me Ringo, em homenagem ao caubói dos filmes de faroeste que tomava tiros e não morria. Ringo também se foi, mas deixou-me seu filho Rambo, em homenagem ao fortão que povoava a cabeça de meus filhos com suas aventuras. Rambo também já viajou faz uns dez anos, sinto saudades de todos e jamais esquecerei a fidelidade e o amor que deles recebemos, um amor que não se explica.
Hoje moro em apartamento e não posso mais ter cães, até porque não tenho quintal que acho essencial para o melhor amigo do homem. Dia desses cruzei com Alexandre, querido amigo, e sua esposa Daniela. Daí começamos a falar sobre este amor inexplicável dos cães por nós e até lhe perguntei como estava Gold, o cachorro que eles foram buscar em São José dos Campos, isso depois de muita negociação pela internet.
Alexandre, entristecendo seu semblante, disse: “Buenão, ele está com a mesma doença que matou o Paxá, sorte que descobrimos e ele está sendo cuidado. Vamos seguindo de braços com a esperança torcendo para que ele viva muitos anos”.
Gold é da mesma raça do Paxá, um são bernardo um pouco menor. Sobre Paxá, disse-me Alexandre que na separação de seu primeiro casamento, sua ex não deixou ele ficar com o cão. Ela morava em São Paulo e ele aqui, em Ribeirão Preto, sofrendo com a saudade que invadia seu coração, pois os dois eram inseparáveis.
Ela doou Paxá para um senhor, que depois de algum tempo lhe telefonou dizendo que desde que o cão foi morar em sua casa, o pobre animal não comia e que ele não era pra ser dele, pediu-lhe ainda que fosse buscá-lo.
 Ela ligou para Alexandre que imediatamente foi até Sampa. Já prevendo o reencontro com o amigo, levou água e comida na carroceria da sua Pampa e, ao se aproximar do endereço, baixou a tampa trazeira para recepcionar Paxá. Enquanto procurava o numero da casa, nem percebeu que Paxá já estava dentro do carro. Ele não sabe como, mas lá estava o danado tomando água e se alimentando... Alexandre me contava essa história e eu só imaginando esse momento lindo por eles vivido... Poxa !!! Quanta emoção!!!
Alexandre não se cansa de perguntar como Paxá percebeu que ele estava por perto, quantos sentidos tem um cão ao ponto de fazer isso tudo acontecer. Quando Paxá morreu, Alexandre postou no Facebook um pequeno texto despedindo-se do amigo... Hoje Gold é a alegria da família, recebe amor e distribui carinho, fica aqui nossa torcida de muitos anos de vida pra ele.
 
* Cantor e compositor

domingo, 6 de outubro de 2013

Bares da noite de Ribeirão, antes e depois!!!



 Avenida Nove de Julho esquina com Rua Garibaldi




 Está ao lado a UPA da Avenida Treze de Maio
 Ficava localizado na Rua Garibaldi, entre as Ruas Rui Barbosa e Campos Salles.
 Hoje é a área de lazer do edifício, que fica na esquina da Rua Rui Barbosa




sábado, 5 de outubro de 2013

Fez quarenta? Tá na hora de levar o dedão..

Bueno *
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Não poderia escrever esta crônica sem antes consultar meu parceiro de serestas e boemias, Tião do Violão. Aproveitei para fazê-lo no último sábado, quando fomos fazer um samba na casa do Tony e da Elaine, que nos recepcionaram com muitas geladas e uma suculenta feijoada.
Na roda de bate-papo, aproveitei e tasquei a pergunta pro Tião: “Parceiro, quero que você me conte como foi sua primeira vez no urologista, como foi a dedada do doutor, não esconda nada porque vou colocar no papel...” Pego de surpresa, ele devolveu: “Pô, Buenão, para com issom cara.”
Emendei: “Não fuja da raia, não, Tião! Diga aí, meu velho.” Nes­sa altura Adalberto, Eduardo, Carlos, Marcelinho e Luiz Es­te­ves, todos com passagem “dedais” e mais que interes­sa­dos, passaram também a incentivar nosso seresteiro a comen­tar o acontecido. Tião, que já tinha tomado algumas, tratou de dei­­xar a timidez de lado e até passou a filosofar, se abrindo que nem paraquedas.
Disse ele: “Chegar aos quarenta, Buenão, até que é uma boa, mostra que chega a essa idade passou por fases das mais interessantes, fez todas as estripulias possíveis e impossíveis, mas tem lá seus revezes e acho que o pior que pode acontecer pra quem entra nessa idade é o tal de exame de próstata...”
E continuou: “Poxa!!! Que chatice, amigo. Minha primeira vez começou com o médico pedindo um exame de sangue, o tal de PSA. Resultado na mão, já no consultório, ele me mandou tirar a calça e deitar na maca, numa posição vexatória...”
Ele falava e a galera ali, na maior expectativa. “Daí o vi colocando luva e lambuzando o dedão de vaselina. Pensei: ‘Ainda bem que não é a seco...’ E aí, meu irmão, lá vai o dedão procurando localizar a tal próstata, foi rápido, mas parecia uma eternidade, saí de lá andando meio torto e achando que gay é macho pra caramba, amigo”.
Luiz Esteves, que já é freguês de carteirinha do urologista, entrou na conversa e mandou ver: “Olha, gente, essa de levar o dedão causa arrepios em nós homens, ainda mais numa sociedade machista em que vivemos, mas não temos como fugir dessa parada indigesta. Tenho amigos que já passaram dos cinquenta e ainda não foram visitar o homem de branco, tudo por causa do tal dedão, preconceito, falta de coragem ou os dois”.
E prosseguiu: “Eu mesmo sempre adiava minha dedada, até que me veio a notícia de que um amigo de serviço estava com problemas na próstata, bem ali na zona do agrião, daí enchi-me de coragem e lá fui eu... Lembro-me como se fosse hoje do tempo em que passei ali na sala de espera, tinha uns oito na minha frente e ninguém tocava no assunto, eu olhava no rosto de cada um e via neles somente aquela aparência apreensiva, mesmo os que já eram clientes antigos não consegui­am disfarçar o incômodo que antecedia aqueles momentos”.
Marcelinho lembrou-se de uma charge que rola na internet, tem uns seis ou sete na sala de espera, quando o médico abre a porta saí um cliente com a mão na bunda e o doutor, um cara enorme com uma mão maior ainda, pergunta: “Quem é o próximo????” Ninguém levanta (kkkkk).
Adalberto, querendo tirar uma, disse: “O perigo do dedão é se apaixonar pelo doutor.” E a conversa foi rolando e Eduardo, também quarentão, disse:  “Aconselho os mais afoitos que, quando forem levar o dedão, que façam como disse a Marta Suplici... ‘Quando o estupro for inevitável, relaxe e goze’.”
Atair, sogro do Tony, apareceu de repente, mas nada falava até que Carlos lhe perguntou: “E, você Atair, já levou o dedão???” O velho boiadeiro, que tem mais de setenta, respondeu: “Sai fora, caboclo, já amansei cavalo bravo, já montei em touro valente e já toquei muitas boiadas por este Brasil afora, nunca levei e nunca vou levar esse tal dedão...” Ai foi uma festa de risadas. Se chegar a sua hora de levar o dedão, não esquenta, tudo na vida tem a primeira vez. Boa sorte...
* Cantor e compositor

Garçom e músico são parceiros...

Bueno *
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Se tem um assunto que gosto de lembrar e escrever, é sobre garçons e músicos. Vi tantas situações envolvendo esta parceria que vou te contar. Acompanho o talentoso músico João Chaim postando pequenas histórias no Facebook, todas carregadinhas de um humor que muito me divertem. Hoje tem até um bar em que a classe dos garçons se reúne após a noite trabalhada, rola um forró da hora para eles balançarem o esqueleto e muitos saem de lá com o sol a pino.
Lembrei-me de uma passagem vivida por mim, Gersinho, que era meu percussionista, e o garçom China, na choperia Degraus, que hoje não mais existe, mas 20 anos atrás ela reinava ali na avenida Treze de Maio. Nós comentávamos que aquela região parecia o Rio de Janeiro, muito samba, bicheiros, gente bonita enfeitava o pedaço, só faltava a praia do outro lado.
Ela abrigava 22 bares, todos com música ao vivo, era uma loucura. Nessa época a fiscalização não era tão rígida e permitia que os veículos estacionassem no canteiro central. Dá pra imaginar como ficava aquela parte da cidade?
Zé Carlos, dono do Degraus, empresário superantenado, sacando que poderia movimentar de forma alegre as tardes de domingo, contratou-me para cantar só samba, e como samba era do meu metiê, lá fui eu esquentar as domingueiras do Degraus. A novidade atraiu muitos músicos que me acompanhavam sem compromisso, apenas pelo prazer de dar uma canja.
O palco ficava no fundo do salão e dali tínhamos uma visão privilegiada de todo o bar, da rua e do canteiro central. Num lindo domingo de sol, vi quando encostou, bem na esquina, uma reluzente Mercedes preta. Dela saíram dois homens com duas mulatas daquelas que não estão no mapa, como dizia o saudoso Sargentelli, especialista em ziriguidum.
Os caras entraram, sentaram de costas pra parede e de frente pra rua, de maneira que viam todo o movimento. Os dois homens estavam na faixa dos 30, elegantemente trajados, correntes de ouro nos pulsos e pescoços, anéis enormes nos dedos, era impossível passarem despercebidos... As gatas, bem mais novas, também esbanjavam charme.
Eu estava cantando uma seleção de sambas do João Nogueira e percebi que nossos novos visitantes gostaram, até batucaram na mesa. China, o garçom, atendeu-lhes. De cara mandaram para todos os músicos uma rodada de chope, e nós, claro, adoramos.
No intervalo, fui até a mesa deles que, na maior simpatia, disseram ser do Rio de Janeiro, eram portelenses de carteirinha, tocavam na bateria da escola e adoraram o bar. Até pediram mais João Nogueira e Paulinho da Viola. Quando voltava para o palco, China, todo feliz, disse que os caras tinham lhe dado uma caixinha antecipada, maior que seu salário do mês. Fizeram amizade com duas mesas vizinhas e disseram ao China que pagariam a conta delas, meu!!!
Os caras caíram na graça de todos ao redor. Depois de tomarem alguns chopes, subiram no palco comigo, tocaram tam­bo­rim e pandeiro, dando mais molho ao nosso samba. Depois nos juntamos na mesa deles, fizemos fotos e foi aquela festa.
Encerrei minha participação, despedi-me deles e fui pra casa. À noite, estava confortavelmente em minha poltrona vendo o Fantástico quando anunciaram que a poíicia carioca estava à procura de dois perigosos traficantes do Morro do Juramento, e ao mostrar as fotos deles quase caí duro...Eram os caras que estavam no bar à tarde, meu!!! Que susto!!!
O fato passou a ser o comentário da semana ali no Degraus, cruzo sempre com o China e lembramos este fato com muitas risadas...
* Cantor e compositor


Dominguinhos, de volta pro seu aconchego

Bueno *
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Quase todos os artistas em início de carreira sofrem muito, levam uma vida de muita luta atrás de seus sonhos, daí Deus escolhe alguns, coloca a mão em seus seus ombros e diz: “Agora é a vez de vocês”. Mas não avisa que eles têm um compromisso quando enriquecerem... Só precisam perceber.  Não é o caso da minha crônica de hoje, sobre Domin­guinhos, que ao longo de sua carreira a muitos ajudou e nem passava por sua cabeça que sua herança virasse briga de família.
O quiproquó envolve a filha dele, a cantora Liv Moraes, de Dominguinhos com Guadalupe, também cantora, e Mauro Moraes, filho de outro casamento do velho sanfoneiro. A briga vem de longe, desde sua internação no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. Daqui da minha Ribeirão Preto acompanhava tudo até que, em 23 de julho, seu velho e sofrido corpo descansou para sempre, aos 72 anos.
A briga continuou com o filho querendo enterrá-lo no Rio de Janeiro e a filha, em Recife, até que uma emissora de televisão mostrou ao filho uma antiga gravação em que o pai fala de seu desejo de ser enterrado em Garanhuns (PE), sua cidade natal. Eu acreditava que o desejo do artista havia se realizado, até que, na semana passada, li que o corpo de Dominguinhos, que estava sepultado na cidade de Paulista, na grande Recife, ia ser desenterrado e removido para Garanhuns.
Daí fiquei indignado, aperreado, como dizia o velho músico, e acredito que ele, seja lá onde estiver, também está muito magoado. Para fazer o translado do corpo, o caixão teve que ser envolto com uma manta de alumínio porque, dois meses depois, ainda estava em decomposição, podendo haver vazamento. Houve escolta de batedores da Policia Rodoviária Federal em todo o trajeto, acompanhado de fãs e amigos.
Em Garanhuns, Dominguinhos ganhou um mausoléu, assim justificou a filha, o fato de ele ser enterrado provisoriamente em outra cidade: Garanhuns ainda não estava preparada para tão ilustre sepultamento. O prefeito baixou decreto mudando o nome da Praça Guadalajara para Praça Mestre Dominguinhos,. È ali que se concentram todos os grandes eventos da cidade, agora com uma enorme estátua do sanfoneiro.
No canal Brasil, na TV a cabo, vi seguidas vezes o documen­tário Milagres de Santa Luzia e, em todas as vezes, me emocionei, pois muito do que escrevi acima vi na tela. A parte de Dominguinhos é fantástica, principalmente quando ele, menino, tocava na feira de Garanhuns com uma sanfona meia boca. Por acaso, o velho sanfoneiro Luiz Gonzaga viu o garoto arretado no fole e percebeu ali um talento raro. Disse: “Menino... quando eu voltar aqui, vou lhe trazer uma sanfona profissional”.
O menino Dominguinhos quase caiu duro quando, alguns meses depois, Gonzagão cumpriu o prometido e até lhe deu seu endereço no Rio de Janeiro, convidando-o para tocarem juntos. Tempos depois, o menino músico, o pai e mais dois irmãos bateram na casa do artista que muito lhe ajudou.
Dominguinhos só andou de avião uma vez: de São Paulo para Recife, só que no caixão, pois em vida nunca tinha voado, morria de medo, viajava o Brasil de ponta a ponta em sua caminhonete cabine dupla
Músicos do naipe de Dominguinhos pra mim não morrem, se encantam. Dele canto varias composições, como Eu só quero um xodó e, entre outras, De volta pro aconchego, que é a razão desta minha escrita. Dominguinhos está de volta pro seu aconchego. Tomara que os filhos não mais o incomodem...
 
* Cantor e compositor